quinta-feira, 18 de outubro de 2012

David Golder - um «retrato inclemente do meio endinheirado judaico»


«A autora de David Golder teve há uns anos traduzido em Portugal o seu romance Suíte Francesa, épico que se queria tolstoiano, em cinco partes, do qual Irene Nemirowsky só teve tempo para escrever duas, antes de ser enviada para Auschwitz, onde morreu em agosto de 1942, pouco tempo antes do marido, também ele deportado para o campo de extermínio.
[...] David Golder, cuja edição original recua a 1929, tinha Irene apenas 26 anos, catapultou-a de imediato para a fama, tendo inclusivamente sido convertido para cinema, em 1931, pelo realizador Julien Duvivier.
[...]
A crueza com que são descritas as personagens, o realismo sem adereços mitigadores com que são recriados os ambientes e a ausência de mensagens redentoras, para o que muito contribuirá também a opção por um narrador impessoal, expurgado de "estados de alma", à maneira de Flaubert, explicarão em grande parte que David Golder tenha sobrevivido ao tempo e se possa ler hoje com o mesmo entusiasmo e surpresa que tomaram de assalto Bernard Grasset, o seu editor original, ou que levou o escritor e crítico Edmond Jaloux a escrever na época; "Fiquei estupefacto."
O retrato inclemente do meio endinheirado judaico, a "história desprovida de caridade" que se conta, para citar Aníbal Fernandes (tradutor e prefaciador), poderá causar estranheza por vir de alguém que é, ele próprio, judeu. Mas sobre isso, Irene Nemirowsky disse, corajosamente, tudo o que haveria para dizer: "É bem certo que eu teria adoçado muito David Golder se já houvesse Hitler e não lhe teria dado o mesmo sentido. Mas seria um erro, teria mostrado fraqueza indigna de um verdadeiro escritor."»

Ana Cristina Leonardo, «O outono do banqueiro», «Actual» / Expresso [onde pode ser lido na íntegra], 13 de Outubro de 2012.

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