quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

«O Cinema da Poesia», de Rosa Maria Martelo



O Cinema da Poesia

Rosa Maria Martelo


ISBN: 978-989-8618-19-1

Preço: 19,81 euros | PVP: 21 euros

Formato: 14,5x20,5 cm (brochado, com badanas)
Número de páginas: 264


[ Em colaboração com o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa - Faculdade de Letras do Porto ]


«L’homme est le seul être qui s’intéresse aux images en tant que telles.»
Giorgio Agamben, Image et Mémoire

Que carga e equilíbrio de forças são esses que atravessam o universo lírico, as suas ameaças e imagens, e nos depõem na órbita da palavra, da figuração, da música?

Herberto Helder, «O Nome Coroado»


«Os ensaios reunidos neste livro constituem diferentes tentativas de aproximação aos processos de fazer imagem na poesia moderna e contemporânea. Embora trabalhem obras e questões diferenciadas, todos incidem sobre formas de conceber e articular as imagens na poesia, ou sobre os modos como o texto poético se pensa em diálogo com outras artes da imagem, especialmente o cinema.

[...]
 Ao acentuar a visualidade e o visionarismo das imagens verbais, ou a sua tensão e rapidez, a poesia de tradição moderna apresenta-se muitas vezes como uma espécie de cinema, uma arte na qual o fluxo das imagens desempenha um papel determinante. «O cinema extrai da pintura a acção latente de deslocação, de percurso. Tome-se um poema: não há diferença», escreveu Herberto Helder. Como pensar esta similaridade, esta convergência? Em que consiste o cinematismo da poesia? Os autores estudados neste livro encaminham-nos para algumas respostas.
[…]
Quando são tidos em conta os diálogos da poesia com o cinema, a presença temática do universo cinematográfico é normalmente destacada, pelo que ganham especial relevância os poemas dedicados a filmes, realizadores e actores, ou os poemas que funcionam por processos ecfrásticos e por transposição narrativa.
[…]
Há um outro tipo de relação entre a poesia e o cinema que diz respeito às cumplicidades entre duas artes que partilham uma extensa e multímoda reflexão sobre os processos de fazer imagem. Herberto Helder, Carlos de Oliveira, Luiza Neto Jorge, Al Berto, Luís Miguel Nava, Fernando Guerreiro ou Manuel Gusmão desenvolvem formas de intermedialidade situáveis nesse plano, que este livro procura apreender.»




Rosa Maria Martelo é professora associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde se doutorou em 1996, e investigadora do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa. Tem colaborado em diversas revistas e publicou vários livros de ensaios, entre os quais A Forma Informe — Leituras de Poesia (2010). Organizou, com Joana Matos Frias e Luís Miguel Queirós, a antologia Poemas com Cinema.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

«Judeus Errantes», de Joseph Roth


Judeus Errantes

Joseph Roth


Tradução do alemão, prefácio, introdução cronológica e notas ao texto de Álvaro Gonçalves

ISBN: 978-989-8566-23-2

Preço: 13,21 euros | PVP: 14 euros

Formato: 14,5×20,5 cm (brochado, com badanas)
Número de páginas: 176 (com fotografias PB)

Este livro prescinde do aplauso e da aprovação, mas também do protesto e até da crítica daqueles que menosprezam, desdenham, odeiam e perseguem os judeus orientais. O livro não se dirige aos europeus ocidentais que, pelo facto de terem crescido com elevadores e sanitas, inferem o direito de contar anedotas de mau gosto sobre os piolhos romenos, percevejos galicianos e pulgas russas. Este livro prescinde dos leitores «objectivos», que, com a benevolência barata e azeda, a partir das vacilantes torres da civilização ocidental, lançam olhares de soslaio para o Próximo Oriente e os seus habitantes; que, por pura humanidade, lamentam a deficiente canalização e, por medo de contágio, encerram em barracas emigrantes pobres, onde a solução de um problema social é deixado ao critério da morte em massa. Este livro não quer
ser lido por aqueles que renegam os seus próprios pais ou antepassados, que, por um simples acaso, escaparam às barracas. Este livro não foi escrito para os leitores que levariam o autor a mal por tratar o objecto da sua exposição com paixão em vez de o fazer com a «objectividade científica», que pode ser designada também por entediante.
A quem é então destinado este livro? 
O autor nutre esperanças insensatas de que existem ainda leitores perante os quais não é necessário defender os judeus orientais; leitores que sentem respeito pela dor, pela grandeza humana e pela imundície que acompanha o sofrimento em todo o lado; europeus ocidentais que não têm orgulho nos seus colchões limpos; que sentem que têm muito a receber do Leste e que talvez saibam que da Galícia, da Rússia, da Lituânia e da Roménia vêm grandes ideias; mas também ideias (na perspectiva deles) úteis, que ajudam a consolidar e ampliar a estrutura firme da civilização ocidental — e não apenas os carteiristas, a quem o mais infame produto da Europa Ocidental que é a imprensa local chama os «hóspedes do Leste».
Este livro não estará em condições de tratar o problema do judaísmo oriental com a profundidade abrangente que este requer e merece. Procurará apenas descrever as pessoas que representam o problema e as circunstâncias que estão na sua origem. Fará apenas um relato sobre algumas partes do vasto tema, o qual, para ser tratado com toda a sua amplitude, exigiria do autor tantas migrações quantas aquelas a que foram sujeitas gerações inteiras de judeus orientais.


Joseph Roth
, «Prefácio»

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Bruno Schulz, «um dos nomes centrais da literatura europeia do século XX.»


«Histórias de um imaginário desmesurado e perturbador, que mergulha no inconsciente para o vasculhar à procura de memórias perdidas e sonhos.

Num entardecer de Novembro do ano de 1942, o judeu polaco Bruno Schulz (n. 1893), pintor, artista gráfico, escritor e crítico literário, foi alvejado com duas balas na cabeça por um oficial da Gestapo numa rua do gueto da sua cidade natal, Drohobycz (hoje é parte da Ucrânia).
[...]
Mais do que um romance, ou do que uma simples colectânea de contos, As Lojas de Canela (agora reeditado com tradução revista) é um vívido ciclo de histórias onde se percebe um sentido unificador, com personagens e temas recorrentes. Na sua versão inicial,estes textos foram cartas escritas a um amigo a quem Schulz queria dar conta, de maneira bastante original, da sua vida, da dos seus conterrâneos, da sua "solidão profunda" e da sua cidade; a conselho de uma amiga escritora, essas cartas acabaram por ser reescritas e publicadas em 1934.
[...]
A cidade de Schulz, com a sua Praça do Mercado (vazia "como o deserto bíblico varrida por rajadas quentes"), é o centro de todas as narrativas. Sob essa cidade, em que tudo parece estar prestes a dissolver-se, apercebemo-nos de que se esconde um outro mundo, de que tudo o que se passa nas suas ruas e fachadas faz parte da cuidada coreografia de uma dança que parece acontecer sempre atrás das cortinas do palco. Há uma aparência de ordem sobre o caos da existência.
[...]
Aquando das primeiras traduções de Schulz, não faltaram os que se precipitaram a anunciar a descoberta de um novo Kafka.
[...]
Mas as diferenças são grandes, como nota Aníbal Fernandes na introdução, pois ao asceticismo de Kafka opõe-se a sensualidade de Schulz (neste aspecto, e os seus desenhos confirmam-no, a sexualidade é dirigida para o masoquismo - de notar o número de mulheres que empunham um chicote); também o estilo depurado de Kafka se opõe ao exuberante barroco de Schulz. De qualquer dos modos, a sua brilhante singularidade literária faz dele um dos nomes centrais da literatura europeia do século XX.»

José Riço Direitinho, Excertos de «A sombra do pai», «Ipsilon» / Público, 25 de Janeiro de 2013, onde pode ser lido na íntegra.
 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

«Caricaturas do Metro Aeroporto», de António Antunes


Caricaturas do Metro Aeroporto
António Antunes


Apresentação de Joaquim Vieira


ISBN: 978-989-8618-31-3

Preço: 20,75 euros | PVP: 22 euros

Formato: 15,5×22 cm (brochado)
Número de páginas: 124 (com reproduções a cores)


O viajante do metropolitano de Lisboa, sendo mais provável que tenha nacionalidade portuguesa, sai na estação do Aeroporto da Portela e é surpreendido pelas caricaturas gigantes, a preto-e-branco sobre as paredes do cais, de quatro figuras políticas que ele bem conhece da recente história do seu país, cada uma delas de corpo inteiro, sentada numa cadeira de estilo clássico. O viajante de avião acabado de aterrar na capital, com grandes hipóteses de ser estrangeiro, desce ao comboio subterrâneo e fica do mesmo modo surpreendido, no amplo corredor de acesso à estação, pela distribuição, ao longo das paredes, de quase duas outras dezenas de caricaturas de personagens para ele desconhecidas — com a excepção, talvez, de Fernando Pessoa —, mas que adivinha, pela forte individualização fisionómica de cada uma delas, representarem gente viva, seja no passado ou no presente.
[…]
Em finais do século XIX, Rafael Bordalo Pinheiro criou em folha de jornal o seu Álbum das Glórias, caricaturando personagens relevantes da sociedade portuguesa. Cinco gerações depois, António, em suporte mais resistente, segue-lhe os passos, actualizando a identidade das eminências portuguesas. Uma das personagens retratadas por Rafael foi o seu Zé Povinho, e mesmo esse António não deixou de fora, desenhando-o junto ao seu criador, como se fosse a 51.ª personagem deste painel. É o fecho de um ciclo, e Portugal que continua.

Joaquim Vieira, «O novíssimo Álbum das Glórias».


Estes desenhos nas paredes da estação de metro do Aeroporto podem ser, para muita gente, uma surpresa, por virem de um autor conotado com a imprensa e aparecerem, aqui, fora desse contexto — e também por se tratar de caricaturas.
Se por um lado, a primeira razão, para os mais atentos, não é propriamente uma grande surpresa, já que há muito vinha fazendo incursões fora das páginas dos jornais, na escultura, na medalhística e no design gráfico; já a segunda é, seguramente, uma surpresa maior, tratando-se da caricatura a animar um espaço público — aventura nunca ousada em Portugal e também muito pouco frequente noutras paragens.

[...] 
Resta-me esperar pelas opiniões do público e da crítica e deixar aqui o meu reconhecimento às pessoas que, no Metropolitano de Lisboa, acreditaram e acarinharam este projecto.».

António Antunes, «Desenhos de pedra do centímetro ao metro».


António Antunes publicou os seus primeiros cartoons no diário lisboeta República, em Março de 1974. No final do mesmo ano, ingressou no semanário Expresso onde continua a publicar as suas obras.
Dos prémios recebidos destacam-se: Grande Prémio do XX International Salon of Cartoons (Montreal, Canadá, 1983), 1.º Prémio de Cartoon Editorial do XXIII International Salon of Cartoons (Montreal, Canadá, 1986), Grande Prémio de Honra do XV Festival du Dessin Humoristique (Anglet, França, 1993), Award of Excellence — Best Newspaper Design, SND — Estocolmo, Suécia (1995), Premio Internazional Sátira Politica (ex-æquo, Forti deiMarmi, Itália, 2002), Grande Prémio Stuart Carvalhais (Lisboa, Portugal, 2005) e o Prix Presse International (St. Just-Le-Martel, França, 2010).
Realizou exposições individuais em Portugal, França, Espanha, Brasil, Alemanha e Luxemburgo. Publicou, entre outros, os livros, António — 20 anos de Desenhos (1994), Desenhos Satíricos (2000) e Traços Contínuos (2005); integrando também as colectâneas, Cartoons do Ano, desde 1999, e as internacionais, 1970’s The Best Political Cartoon of Decade (1981), The Finest International Political Cartoons of Our Time, volumes I, II e III (1992, 1993 e 1994) e Cartoonometter (1994).
Foi júri de salões de desenho humorístico em Portugal, Brasil, Grécia e Turquia. António dedica-se também ao design gráfico, à Escultura e à Medalhística. É director do salão de humor gráfico, World Press Cartoon.

Sistema Solar e Documenta - Janeiro de 2013


«Poesia rock»


«Deputado, empresário, diplomata, professor universitário, foi uma peça fundamental nas negociações para a adesão de Portugal à CEE. Mas, antes da sua carreira política, João de Menezes-Ferreira foi crítico musical, nos jornais e na RDP. É dessa experiência apaixonada que surge Estro in Watts, Poesia da Idade do Rock (Documenta), uma compilação de letras entre 1955-1980, traduzidas e organizadas pelo autor. O JL falou com este "rockómano" que diz que o seu marxismo é o rock.

[...]
Vejo-o como um manifesto de ideias. Não organizei a antologia por tipos de música, encadeei cronologicamente as poesias, com um fio condutor que, retrospetivamente, se pode entender como um manifesto de atitudes da juventude ao longo dos anos.

As letras das canções podem ser consideradas um género literário?
Para mim é poesia oral e ponto final. É uma tese subliminar a todo o livro. Os primeiros grandes poetas da beat reconheciam os do rock como poetas a título integral.
[...]

Muitas vezes o argumento é que as letras têm um carácter funcional.
Hoje sabemos que os poemas homéricos eram cantados. Eram tão funcionais como o rock. O que era evidente é que a música é muito importante no rock e as pessoas prestam menos atenção às letras. Também para corrigir isso eu fiz este livro, para explicar que estes textos foram historicamente importantes, não só como textos literários, mas como forma de manifestar a autodeterminação dos movimentos de juventude.
[...]
A música que mais me interessa é a que se faz hoje. Não sou muito de seguir dinossauros, exactamente porque vejo o rock como uma forma de expressão juvenil.»

Manuel Halpern, «João de Menezes-Ferreira - Poesia rock», "Breve Encontro", JL, 23 de Janeiro a 5 de Fevereiro de 2013

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

«Nenhum judeu oriental vai voluntariamente para Berlim.»


Livraria-papelaria judaica H. Lewin em Berlim — Grenadierstrasse n.º 28 (cerca de 1925), in

Joseph Roth, Judeus Errantes
[ tradução do alemão, prefácio, introdução cronológica e notas ao texto de Álvaro Gonçalves ]

Sistema Solar
2013.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Haja poesia.

                                                                                           João de Menezes-Ferreira, 1973

«A viagem a bordo desta cápsula espacial começa no ano de 1955, no momento em que Carl Perkins calça uns sapatos de camurça azul e dá início à festa, só terminando quando, já em 1980, Rui Reininho canta isto em jeito de exorcismo: "Fumada! Frustrada! Fumada! Bruxa Oxigenada". Fala-se aqui de ESTRO IN WATS – poesia da idade do rock, livro saído da pena de João de Menezes-Ferreira, uma antologia que reúne 563 letras do universo pop/rock entre 1955 e 1980 e que pode ser desfrutado como um manifesto de juventude no qual, o autor, trabalhou durante cerca de trinta anos.
[...]
Para lá das letras em versão bilingue, o livro inclui notas biográficas de todos os artistas e bandas incluídos e algumas fotografias. O ideal será lê-lo da mesma forma que o livro foi escrito: lentamente e em silêncio, primeiro, depois procurando as canções no youtube – ou os discos numa boa loja de vinyl –, para que a palavra se una à música e se torne, como cantaria Sérgio Godinho, no elixir da eterna juventude.

Conversámos com João de Menezes-Ferreira a propósito da edição de ESTRO IN WATTS, numa troca de frases que deu para tudo: negar a vinda de Dylan como o messias do rock, esmiuçar o título apresentado em modo críptico ou perceber que o autor se vai mantendo a par das tendências sonoras actuais, elegendo os LCD Soundsystem como a banda mais importante da última década. Haja poesia.
[...]»

Entrevista a João de Menezes-Ferreira, por Pedro Miguel Silva, «Rua de Baixo» [onde pode lida na íntegra] 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

«Bruno Schulz - Errância das Formas», por José Guardado Moreira


«[...] Estas histórias são luxuriantes no seu âmago escuro, desafiadoras nas suas ramificações filosóficas, sensuais na cor, textura e sabor. O universo em decomposição exibe um gozo sensorial que transmuta o sórdido da vida humana em certeza heterodoxa, escoradas na vivência do mito da criação. A nova edição destas histórias assombrosas está enriquecida com um conjunto de desenhos de Bruno Schulz que dizem muito sobre o seu convulso mundo interior, onde a arte era a única lucerna que o orientava em tempos terríveis.»

José Guardado Moreira, «Bruno Schulz - Errância das Formas», Ler, Janeiro de 2013.

domingo, 13 de janeiro de 2013

«quando às mentes dá o desalinho e os corpos intumescem de prazer.»


«Nestas páginas estão ímpetos verbais no fulgor da adolescência, quando às mentes dá o desalinho e os corpos intumescem de prazer. Jorros que se extinguem num qualquer fim de noite, ao intuírem os escribas que a juventude se escapou, meio zonzos por não compreenderem a perda. Veremos que se juntam outros condimentos no caldeirão, mas o dado é esse: jovens a escrever.
[...]
Não é de uma qualquer poesia que falamos, é de uma escrita que se ligou a outros modos de expressão e assim conseguiu ecoar com eficácia antes desconhecida.»

João de Menezes-Ferreira, «Breviário de Leitura», Estro im Watts - Poesia da Idade do Rock [brevemente nas livrarias]

domingo, 6 de janeiro de 2013

«Queria um livro que voasse» [Rodrigo Amado]


«Uma exposição a solo (Un Certain Malaise, na Fundação EDP) e um livro homónimo com Gonçalo M. Tavares: Rodrigo Amado não é apenas músico.»
 
«É músico e fotógrafo. Acaba de ser considerado pelo crítico norte-americano Mark Corroto como um dos melhores autores de 2012, pelo seu disco Burning Live. Faz fotografia como toca música: ao sabor do improviso, andando ao acaso nas cidades onde a música o leva, captando a imagem do momento sem reflectir sobre o que vê. A selecção, o pensamento sobre aquilo que a câmara captou, vêm depois.
Falamos de Rodrigo Amado, que acaba de assinar um livro conjuntamente com Gonçalo M. Tavares: Un certain malaise, editado pela Documenta, acompanha uma exposição a decorrer na Sala do Cinzeiro da Fundação EDP até 10 de Fevereiro.
[...]
À procura de um conceito que agregasse as fotografias que procurava, Rodrigo Amado lembrou-se de Os Passos em Volta, de Herberto Helder, e das peregrinações que as diferentes personagens realizam nessa obra. Aliás, tanto a exposição como o livro Un Certain Malaise começam com uma citação desse poeta: "Escrevo o poema - linha após linha, em redor do pesadelo do desejo, um movimento da treva, e o brilho sombrio da minha vida parece ganhar uma unidade onde tudo se confirma: o tempo e as coisas." Mas não só: Amado interessa-se também "pela própria pessoa que o Herberto é: uma pessoa que se auto-desadaptou da realidade, porque quer ser assim". "Há coisas na personalidade do Herberto que têm a ver comigo", insiste.
[...]
Quando, durante a exposição da exposição, surgiu a oportunidade de fazer o livro, teve também a certeza de que não queria que o texto fosse escrito por um crítico: "Queria que fosse uma coisa mais criativa, que abrisse o sentido das fotografias. Não queria uma coisa formal, queria um livro que voasse. " Lembrou-se então de ter ouvido falar de umas aulas que Gonçalo M. Tavares tinha dado sobre interpretação da imagem, na Faculdade de Motricidade Humana, onde pedia aos alunos que ficcionassem sobre o que viam. "Mandei-lhe um email; estava com medo que não respondesse, mas respondeu, aceitou e fez o texto. Foi incrível. Só o encontrei uma vez antes de o projecto estar terminado!"
[...]
"Não há corpos, mas há vestígios", diz Rodrigo Amado a propósito destas suas ruínas de uma Mitteleuropa em permanente desaparecimento. "E apesar de não haver corpos, há sempre uma forma que nos permite projectá-los."»

Luísa Soares de Oliveira, «Um livro que voasse», «Ípsilon»/Público, 4-I-2013, p. 20 (onde pode ser lido na íntegra).

sábado, 5 de janeiro de 2013

«O meu marxismo foi o rock» [João de Menezes-Ferreira]


«Estro In Watts - Poesia da Idade do Rock, antologia de 563 letras do universo pop/rock entre 1955 e 1980, é um manifesto de juventude preparado durante 30 anos por João de Menezes-Ferreira. Chega às lojas em Janeiro, com selo da Documenta.»

«Começa com os Blue suede shoes, de Carl Perkins, 1955. Termina passadas duas décadas e meia, em 1980, com uma letra de Rui Reininho que havia de figurar no primeiro álbum dos GNR, Independança, com a transição de Laurie Anderson das artes plásticas para a música, com as maquetas deixadas por António Variações numa caixa de sapatos, com Bob Marley, Teardrop Explodes, The Cure ou Joy Division. Outra hipótese: acaba com a morte de Ian Curtis, ao som de The Idiot, de Iggy Pop, a rodar interminavelmente no gira-discos. Outra mais real ainda: uma torrente de poesia pop/rock estancada quando o programa radiofónico A Idade do Rock chega ao fim, precisamente em 1980.
[...]
Estro in Watts reflecte, naturalmente, essa hegemonia anglo-saxónica, visitando menos demoradamente a música francesa, a brasileira ou portuguesa (José Afonso, Sérgio Godinho, Rui Veloso/Carlos Tê, Rui Reininho...), sempre consciente de "o inglês se ter tornado o esperanto dos séculos XX e XXI". E espelha  a forma notável como a cultura norte-americana soube encenar a rebeldia e romantizar a adolescência. Não é por acaso que Menezes-Ferreira cita na sua introdução Fúria de Viver, de Nicholas Ray.
[...]
É precisamente neste enfiamento que reside um dos mais robustos argumentos de Estro in Watts: o de que esta poesia não deve ser menorizada perante aqueloutra publicada em livro apenas porque "tem repetições, acompanha o ritmo de elocução verbal e tem uma métrica que é a da respiração". "Estes grandes poetas seriam sempre grandes poetas de livros, mas escolheram a música porque acharam que era esse o veículo."
[...]
"Esta cultura foi, para mim, uma escola. Há uma geração pós-25 de Abril que se reclama marxista. O meu marxismo foi a música, foi o rock. Aprendi a ser adolescente não tanto a ler textos teóricos mas a viver isto."
[...]
O rock, já o sabemos, celebra-se estrepitosamente em concertos, com as palavras a lutar por se manterem à tona de um mar de electricidade, debitada por poderosos sistemas de som. Estro in Watts - Poesia da Idade do Rock livra-as momentaneamente dessa luta desigual. Com um peso na consciência - porque estas letras foram feitas para existir na companhia da música -, mas cumprindo um testemunho que lhes era devido.»

Gonçalo Frota, «"O meu marxismo foi o rock"», Público, 3-I-2013, pp.22-23 (onde pode ser lido na íntegra).