domingo, 31 de março de 2013

Joachim Gasquet

                                               Joachim Gasquet, por Paul Cézanne, 1896.

Joachim Gasquet, Aix-en-Provence, 31 de Março de 1873 - Paris, 6 de Maio de 1921

segunda-feira, 25 de março de 2013

Adeus anos 70


«Em Dezembro de 1979, a sociedade Alunos de Apolo promoveu uma noite de rock intitulada "Adeus anos 70". Uns meses antes, em Nova Iorque, os Ramones gravavam um dos seus discos mais marcantes, o álbum End of the Century. Nesse disco, os Ramones não só assinalavam o fim dos anos 1970 como percepcionavam nesse momento o final do século XX. E o tom era de uma profunda nostalgia. Nostalgia pelos primórdios do rock'n'roll, pelos gloriosos tempos da rádio, pelo tempo de todos os futuros radiosos; [...]
Qualquer comparação entre Lisboa e Nova Iorque talvez possa ser abusiva. Mas, no contexto do final dos nos 1970, é possível estabelecer um ponto comum: uma certa sensação de ressaca, ou até mesmo de pós-ressaca, aquele momento em que ao choque e à náusea se seguem a desesperança e o vazio. Num caso, a implosão de um futuro prometido por trinta anos de pujança económica; no outro, a desilusão pós-revolucionária. Em muito boa medida, embora em condições bastante modificadas, conseguimos reconhecer também hoje, em tempos de crise, uma tensão entre a revelação apocalíptica e o desejo de regresso às tábuas de salvação do passado.
É porventura à luz desta curiosa coincidência que terá mais interesse olhar para este livro de José Paulo Ferro, um álbum composto por um conjunto de fotografias - comentado por dois textos de abertura, de Margarida Medeiros e de João de Menezes-Ferreira - tiradas pelo autor no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quase sempre na zona de Lisboa, que mostram jovens em encontros, concertos, performances de teatro, festas em casas particulares, etc. [...] O que vemos são corpos anónimos - por mais que algumas daquelas pessoas sejam reconhecíveis: Pedro Ayres de Magalhães, Zé Pedro, Al Berto, por exemplo -, nada sabemos sobre o que resultará dos cenários que compõem, ou sequer se resultará alguma coisa.
[...]
Mais do que um cliché do género "retrato de uma geração", embora em certo sentido também o seja, este livro deixa muito em aberto, e esse é provavelmente o seu aspecto mais estimulante. [...] A nostalgia pelo fio de uma meada que há muito se perdeu? Ou o desejo do flirt com um campo de possibilidades de onde verdadeiramente nunca saímos?»

Fernando Ramalho, Le Monde Diplomatique (edição portuguesa), Março de 2013.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Beatles - 50 anos de «Please Please Me»


«"Please Please Me", primeiro LP dos Beatles, faz hoje 50 anos. John e Ringo tinham 22, Paul e George 20, miúdos que revolucionaram...»

Luís Pinheiro de Almeida (hoje, via Facebook)


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quinta-feira, 21 de março de 2013

Poesia - Palavra, Imagem, Som


«Os ensaios reunidos neste livro constituem diferentes tentativas de aproximação aos processos de fazer imagem na poesia moderna e contemporânea.» Rosa Maria Martelo.


«A grande poesia da nossa época é o rock. As palavras são tão importantes como o ritmo.» Marshall McLuhan


segunda-feira, 18 de março de 2013

Camilo Castelo Branco

 
 

Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa no dia 16 de Março de 1825 e morreu em São Miguel de Seide -  Vila Nova de Famalicão em 1 de Junho de 1890.

quarta-feira, 13 de março de 2013

«Em cada canto destas lojas espreita essa espécie de inquietante estranheza...»


De Bruno Schulz diz o narrador de Estrela Distante, de Roberto Bolaño, ser um dos seus escritores favoritos e é, como o próprio Bolaño, um desses escritores que trazem consigo o encanto pérfido daqueles que desaparecem de forma prematura. O mesmo pode dizer-se de Kafka, com o qual é por vezes comparado. Mas Schulz, como os dois citados, é um autor que vive de si e para si, sem a necessidade de estabelecer pontes para outros universos. Um bom exemplo dessa auto-suficiência pode encontrar-se no livro – intitulado As Lojas de Canela – ao qual aqui se tentará um aproximação.

Em cada canto destas lojas espreita essa espécie de inquietante estranheza que transforma o familiar em desconhecido, tipificada por Sigmund Freud no seu trabalho sobre o conceito de “Unheimlich”, publicado em 1919. Não se pode saber de ciência segura se Bruno Schulz estaria familiarizado com o conceito, ou sequer com o trabalho de Freud, seu contemporâneo e órfão do mesmo império, mas é difícil negar que é esse mesmo princípio que aqui podemos observar em acção, como uma forma de princípio básico e unificador que sujeita toda a matéria do real à possibilidade da metamorfose. Não por acaso, abundam neste peculiar texto autobiográfico as referências a máscaras e ao teatro. Há uma realidade por trás da realidade e apenas a imaginação – auxiliada nesse exercício, de forma determinante, pela linguagem poética – pode levantar o véu que a cobre (como indica o próprio Freud, a dado passo do seu ensaio, não são só os medos que podem acarretar essa transformação do real mas também os desejos ou as crenças). É à precisão da linguagem empregue pelo autor, ao descrever os aspectos dessa outra realidade, que se deve o prodígio de que possamos tomá-la também como verdadeira. Obtém-se essa precisão com o recurso ao estabelecimento de relações pouco habituais, mas extremamente precisas, entre o objecto observado e a forma que se escolhe para caracterizá-lo (por exemplo, «Maryska-a-Louca estava deitada na palha de um caixote de madeira, branca como uma hóstia e silenciosa como uma luva de onde a mão tinha saído.», p. 49).

No entanto a mesma precisão não se estende à descrição das personagens: o narrador permanece por nomear e da sua família mais imediata – mãe, pai e irmão mais velho – apenas o pai tem direito a que o seu nome seja conhecido. E se há um herói nestas histórias não pode ser outro que não o pai. A esse pai heróico opõe-se a criada Alena, figura de pesada sensualidade e pose pragmática. Os dois, a par do narrador, são os verdadeiros motores da narração. Por seu lado, a mãe e o irmão mais velho – tal como toda uma hoste de personagens secundários, alguns dos quais merecem ser nomeados; tal é o caso das raparigas, Polda e Paulina, a quem o pai se dirige no triplo episódio dos manequins – permanecem por nomear e possuem apenas uma vaguíssima consistência, agindo como sombras que espreitam a acção principal sem que nunca dela cheguem a participar. Assim, a narração concentra-se em torno desses três eixos: em primeiro lugar o narrador, através de cujos olhos vemos aquilo que o rodeia, olhar esse para o qual tudo é digno da mesma minuciosa atenção e toda a matéria se oferece ao jogo de transfiguração e desvelamento que permite descascar as camadas do familiar e atingir, enfim, a outra realidade possível que existe por trás dele; em segundo lugar o pai Jakub, que concentra em si toda a força do fantástico e do maravilhoso, força que interrompe o entediante desfile dos dias pardacentos e demonstra as férteis possibilidades que se oferecem a quem souber olhar o mundo de uma forma nova («Só hoje entendo o seu heroísmo: solitário, fez guerra ao tédio infinito que entorpecia a cidade. Sem nenhum apoio nem compreensão da nossa parte, este homem extraordinário defendia sem esperança a causa da poesia. Nas rodas deste moinho mágico afundavam-se as horas vazias, para de lá saírem com perfume e cor.», p. 69); e por fim, em terceiro lugar, a criada Alena, a quem cabe a tarefa de voltar a pôr nos eixos o mundo que a intervenção do pai deles desviara. («Sempre espetado, o sapato de Alena tremia um pouco e brilhava como uma língua de serpente. O meu pai manteve o olhar baixo e começou a levantar-se com lentidão, com passos de autómato, e caiu de joelhos.», p. 81.)

Nesta oposição entre fantasia e pragmatismo o texto – de recorte autobiográfico, como antes se referiu – apresenta-se fragmentado, não cronológico, em capítulos que se sucedem sem aparente ligação entre si, por vezes organizados em blocos, (veja-se os capítulos “As lojas de canela” e o seguinte, “A Rua dos Crocodilos”, nos quais se apresentam as duas partes da cidade – a velha e a nova, o conforto e a confusão – e os respectivos simbolismos, ou o “Tratado dos manequins”, apresentado em três partes e já em tempos publicado em Portugal como texto autónomo, pela &etc., no qual o autor, pela boca de Jakub, expõe aquilo que pode considerar-se como um programa estético e até filosófico) como se fosse intenção do autor dar-nos a ver a memória em funcionamento, sem sequência cronológica mas antes em estado de anárquica desordem, alinhados de acordo com as impressões que os convocam e sem preocupações de linearidade. E a cada passo lá se pode encontrar a mesma fúria metamorfoseante, essa operação levada a cabo sobre o real pela poesia, num mundo onde toda a coisa é outra coisa, à espera de ser desvendada num vislumbre fantástico mas que não pode fixar-se nessa nova forma, como se o tecido da realidade não pudesse suportar essa fixação. («Temos a franqueza de reconhecê-lo: não acentuamos a tónica da duração nem da solidez do trabalho, e as nossas criaturas serão como que provisórias, feitas para servir uma só vez.», p. 79).

O método de Schulz consiste então em iniciar a narração num mundo que, para todos os efeitos, é ainda o mundo familiar, habitual, e só no decorrer da narração revelar os contornos da máscara que o reveste até fazê-la por fim tombar, desse modo deixando a descoberto as feições desse outro mundo que se esconde por trás do mundo. Este método, ao contrário do que é por vezes anunciado, não o aproxima de Franz Kafka (embora não possamos esquecer-nos das estranhas transformações que o pai sofre, tornado pássaro ou até barata) mas antes o afasta. Em Kafka a realidade não se apresenta em modificação mas, pelo contrário, já modificada e ao lê-lo o leitor entra num mundo que em pontos se aparenta ao mundo familiar mas que, desde o início, se apresenta como fundamentalmente diferente desse. Assim o processo de transformação não é visível. Afasta-os também o uso que fazem da linguagem, a qual em Kafka é sempre mais seca, menos poética do que em Schulz. Na realidade, se devesse procurar um escritor que se assemelhasse a Bruno Schulz apontaria, por insólito que possa parecer, o nome de Nikolai Gógol, exímio praticante do adjectivo pouco ortodoxo e alguém que, como Schulz, se perdia com frequência nos muitos pontos de fuga que lhe proporcionavam as suas narrativas, alguém que contempla todo o mundo como passível de interesse e objecto de detalhada descrição. Diferiam nos propósitos e nos métodos mas animava-os a mesma voracidade descritiva, a mesma vontade de percorrer todos os caminhos que o material lhes propusesse.

Rodrigo Martins, in Orgia Literária.

segunda-feira, 11 de março de 2013

«Judeu da Galícia, filho de um mercador de têxteis, estudante de arquitectura, professor do liceu, desenhador compulsivo, escritor escasso, morreu cedo, vítima da Gestapo.»


«Ruas insalubres, bairros feéricos, lojas enigmáticas, casas sombrias, divisões abandonadas, quartos de arrumos cheios de fancaria, armários atulhados, abutres empalhados, estampas obscenas, palmeiras incongruentes, ornamentos, utensílios, escombros, telescópios. É o mundo de Bruno Schulz, visita guiada a "configurações irreais", que incluem ainda entidades biológicas primitivas, matagais, musgos, ervas daninhas, faunas insidiosas, insectos, animais fantásticos, erupções, fermentações, cores de âmbar, bafios e podridões, cardos, crustáceos, escamas, ectoplasmas.
Esta "imaginação aberrante e encantada" é o alfa e ómega de As Lojas de Canela (1934), a primeira das duas colectâneas de contos publicadas por Bruno Schulz (1892-1942). Judeu da Galícia, filho de um mercador de têxteis, estudante de arquitectura, professor do liceu, desenhador compulsivo, escritor escasso, morreu cedo, vítima da Gestapo. [...]
Porém, ao contrário de Kafka, Schulz é excessivo, exuberante, acumula metáforas insólitas, imagens nunca vistas, vocábulos raros, substantivos e adjectivos aos magotes (a tradução de Aníbal Fernandes é extraordinária): "Havia por lá banais germinações, caules finos encimados com o penacho emplumado das suas espigas; salsas e cenouras selvagens com filigranas delicadas; os rudes folíolos amarrotados da hera e das urtigas cegas que cheiravam a mentol; as tanchagens filandrosas e luzidias manchadas de ferrugem, que jorravam com poupas de grandes grãos vermelhos."
O escritor queixava-se de que a língua não possui palavras que penetrem em certos graus da realidade, e por isso inventou uma linguagem nova, adequada a uma "realidade mutante". [...] Jakub e o filho são demiurgos em segunda mão, a matéria assusta-os, apaixona-os. E como nada se perde e tudo se transforma, eles recriam tudo aquilo em que tocam, num génesis heterodoxo, distorcido.
Os inquietantes desenhos de Schulz, incluídos nesta edição, ilustram bem essa causa genesíaca, a que ele chama, sem hesitações, "a causa da poesia".»

Pedro Mexia, «Génesis bizarro», «Actual»/Expresso, 9 de Março de 2013, onde pode ser lido na íntegra.

Ler mais sobre Bruno Schulz.

quarta-feira, 6 de março de 2013

«Com Roth, aprende-se mais sobre religião do que em qualquer catequese...»


Joseph Roth
Judeus Errantes
Sistema Solar
Tradução de Álvaro Gonçalves

Publicado pela primeira vez em 1927, quando as almas mais atentas já começavam a perceber que os nacional-socialismo alemão havia de transformar a Europa em escombros e as mais benevolentes achavam que estava tudo bem, Judeus Errantes é um ensaio elogioso sobre os judeus orientais, evoluindo do elogio para a reflexão sobre a identidade judaica, a religião e o anti-semitismo.

No seu modo magistral de usar a escrita como processo de pensamento, cruzando histórias e episódios com uma imensa erudição sobre o tema a que se dedica, Joseph Roth desfia a eterna epopeia judaica a partir dos contextos que conhece por experiência própria (a Europa Central, sobretudo) e das conversas que vai tendo e recolhendo com judeus de Viena, Berlim, Paris, muitos vindos da Rússia, da região da Galicia, dos vários torrões espalhados pela queda do império Austro-Húngaro, e muitos procurando maneiras de chegar ao Ocidente, em particular aos Estados Unidos da América. A forma como descreve a relação dos judeus com a religião é tão comovente como marcada pelo humor, aquele tipo de humor contido e inteligente que reservamos para aquilo que mais respeitamos. Pelo contrário, a referência ao sionismo é implacável, separando as águas entre identidade e nacionalismo. Com Roth, aprende-se mais sobre religião do que em qualquer catequese, mais sobre o conflito israelo-palestiniano do que em horas de visionamento televisivo das notícias e mais sobre a natureza humana do que em muitos romances aspirantes a universais.

Sara Figueiredo Costa
[publicado na Time Out, Fev. 2013 e no Cadeirão Voltaire]

segunda-feira, 4 de março de 2013

«Partilha de fantasmas», por Gustavo Rubim



«Rosa Maria Martelo continua a percorrer o território da poesia portuguesa e a sua acidentada história de forma corajosa.

Não é preciso insistir na importância dos estudos de Rosa Maria Martelo para quem se interessa sobretudo por poesia: é uma evidência e já não é de agora. Mas vale a pena notar que esses trabalhos são dos mais corajosos na abertura e na instalação de linhas de pesquisa incomuns no discurso crítico português sobre poesia. Este novo livro é uma prova disso.
Compõe-se de três partes: Deambulações na Poesia, De Imagem em Imagem e por fim a homónima do livro, O Cinema da Poesia. Nesta última estão talvez os textos mais inspirados de todo o volume, um conjunto de quatro ensaios cujas figuras tutelares são Herberto Helder e Manuel Gusmão, ambos intensamente lidos em função das conexões diretas que estabelecem entre poema e cinema.
[...] Há, porém, antes das três partes mencionadas, um duplo preâmbulo que de modo nenhum cai fora do livro. Se o primeiro texto (Poesia: imagem, cinema) constitui uma espécie de leitura antecipada de todo o livro e de roteiro histórico-teórico para o problema que o estrutura, o segundo, Pensar e sentir por imagens (Fernando Pessoa, 1912), situa o próprio livro e a escolha deste problema numa genealogia que reconduz aos ensaios que Pessoa publicou na revista  Águia e com os quais inaugurou a linha de reflexão crítica sobre a poesia moderna de que Rosa Maria Martelo não quer afastar-se.
[...] Não só Pessoa está aqui decididamente em causa, como toda a possibilidade de estudar a linha de articulação entre cinema e poesia depende de figuras como Marcel Duchamp, Fernand Légier, Man Ray, Jean Epstein, Apollinaire, Eisenstein, Ezra Pound ou a bem pouco conhecida produção teórica dos Formalistas Russos sobre a poética do cinema. [...] De Cesário Verde a Ruy Belo, antes de Herberto, Gusmão, Al Berto e Luís Miguel Nava, com passagens importantes por Fiama Hasse Pais Brandão e Sphia de Mello Breyner Andresen, é esse território e a sua acidentada história que Rosa Martelo continua a percorrer e que o leitor mais informado conhece bem de um volume ainda recente: A Forma Informe, editado em 2010.
[...]
O ponto crítico do jogo entre o poético e o cinematográfico situa-se talvez na modificação da ideia retórica de "imagem" pela ideia tecnológica da imagem que a fotografia e o cinema teriam trazido à consciência dos modernos. E o ponto polémico desse jogo, que fez Herbero Helder falar algures dos "poetas futuros com máquinas de filmar nas mãos", é sem dúvida o da oposição entre o que seria "uma ontologia da imagem" e o que, por outro lado, não ultrapassaria um "plano formal ou técnico" (como escreve a autora na página 28) em que se identificariam pontuais afinidades ou influências entre poesia e cinema (por exemplo, a montagem, que o modernismo absorveu intensamente).
[...]
Estamos agora, com Rosa Maria Martelo, a começar a ler a frase de Pessoa que ela mesma nos convida a pensar: "As coisas passam na medida em que não são."»

Gustavo Rubim, «Partilha de fantasmas», in «Ípsilon» / Público, 1-III-2013, onde pode ser lido na íntegra.





Joaquim Vieira apresenta «Caricaturas do Metro Aeroporto», de António Antunes [ convite ]

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