sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

«Dizia que não gostava de entrevistas, mas estas revelam os traços do seu génio»



«Uma Última Pergunta, Entrevistas com Mário Cesariny
 (1952-2006), organização, introdução e notas de Laura Mateus Fonseca, prefácio de Bernardo Pinto de Almeida, posfácio de Perfecto E. Cuadrado, Sistema Solar, 2020, é uma bela oportunidade para se conhecer o pensamento de um dos mais significativos poetas portugueses do século XX. O leitor verificará que em quase todas estas entrevistas ele será perguntado acerca do movimento surrealista em Portugal e no mundo, e não causará grande surpresa a natureza das respostas, quase sempre fluídas e divagantes, de entrevista para entrevista ao longo destas décadas. E há o conhecimento do homem, como observa o prefaciador: “O lugar raro de onde Cesariny nos fala, nestas entrevistas, apesar do ruído, permite ainda assim reencontrar a limpidez do olhar, a clareza da voz e a graça da atitude descomprometida, sempre para com o que seria o bom gosto, ou o bom tom expectável de um Poeta, preferindo-lhe, quase sempre, e durante anos, a provocação anarquista, que professou como forma de escapar, pelo humor e a irrisão, a uma seriedade hipócrita quanto a tais assuntos”. Era paradoxal, espaventoso na linguagem, desbocava-se quanto às convenções. Um exemplo: “Sou contra a leitura de livros nas livrarias. Dá mau aspeto. E desde que vi Allen Ginsberg lançando poemas a uma multidão frenética de muitos milhares de jovens fiquei cético quanto às alegrias proporcionadas pelo lançamento de um livro entre nós. O cerimonial usado, com leitura de versos feita pelo poeta levado à presença solene de uma pseudocrítica de olho de goraz e passo de mula, faz mal a qualquer estado de saúde”. É insistente nas suas guerras, desanca em permanência em José-Augusto França, atribui-lhe a tolice de ter criado o modernismo (o que era manifesta grosseria, o modernismo vingou antes dos trabalhos de Sociologia de Arte de José-Augusto França), considerava que a partir do século XVI o país perdera a especificidade, inventou ídolos como António Maria Lisboa ou Teixeira de Pascoais, enfurecia-se com a notoriedade mundial dada a Fernando Pessoa, tudo aqui transparece na coletânea de entrevistas, com uma vantagem epistemológica para o leitor, como adverte a organizadora: “A arquitetura deste livro seguiu duas linhas: a do texto e a das imagens. São reproduzidas as entrevistas segundo uma ordem cronológica e reproduzidos os correspondentes recortes de jornais.  

Abrimos o volume com um Cesariny no papel de entrevistador e fechamos com uma conversa sobre Cesariny (feita a Cruzeiro Seixas, no ano da morte de Cesariny). O entrevistado é sempre o mesmo, Cesariny, poeta e pintor, surrealista, que se exprime quando lhe apetece”. Todos lhe perguntam o que é o surrealismo, e há sempre uma essência nas diferentes respostas, a liberdade livre, nunca escondendo as suas discórdias com o pontífice André Breton, simpatizando muito mais com Antonin Artaud. Dentro das respostas esfíngicas vai dando aos entrevistadores, fixei a que dá a Francisco Belard se ainda havia surrealismo: “Depois dos 50 anos de idade já ninguém é surrealista, nem mesmo o movimento surrealista. Para que a semente germine, volte a ser futuro, terá de separar-se, baixar à terra. Será sem dúvida um trabalho de séculos – moroso, lento – ou de terrivelmente rápido, fulgurante”. E concluirá dizendo que em Portugal não houve movimento surrealista algum, “a não ser no escritório de alguns mais ocupados em tratar da jorna que do nível de informação que servem. Não houve movimento surrealista em 1947-1951 e seguintes como o não há em 1977. Antes, foi a liberdade coletiva roubada, agora é a nudez aflitiva que à direita e à esquerda quer aparecer vestida”. No vasto conjunto destes elucidativos documentos, sobressai pela força do dueto a entrevista que dá a Francisco Vale, aqui têm-se uma boa oportunidade de conhecer o poeta-pintor. Logo à primeira pergunta Acha que a pintura não exige tanta convicção como a poesia?, Cesariny é estrito e lacónico: “No fundo, escreve-se sempre o mesmo verso. Escrever poesia é uma espécie de invocação. Mas não se pode estar toda a vida a invocar o mesmo santo, sobretudo se ele não aparece. Assim sendo, não rezo mais”. O entrevistador insiste E a pintura, dispensa os santos? E Cesariny revela-se desperto: “A pintura parece não bulir tanto connosco. É a imagem à mesma, mas parece exterior. É um trabalho de mediação em que parece não se estar implicado. Na poesia, na escrita, estão todas as nossas vísceras. Desiste-se depois de ver toda a anatomia e de se constatar que talvez não fosse bem aquilo que se desejava que aparecesse”. Era inevitável que se falasse de Breton e de Artaud, e Cesariny esclarece: “O Breton é o fim de qualquer coisa. O Artaud é um começo. O Breton levou as coisas até um limite que parece final. O Artaud vai além disso, foi buscar outras civilizações, uma anti linguagem. Gosto mais do Artaud, que decidiu viver o seu drama como tragédia cósmica”. Francisco Vale continua decidido e não o deixa em paz, quer que o poeta dê a sua definição de surrealismo, Cesariny não se furta, mas a resposta soa a uma generalidade de albergue espanhol: O surrealismo foi um convite à poesia, ao amor, à liberdade, à imaginação pessoal. O surrealismo reuniu o romantismo, o simbolismo, o futurismo, as tradições libertárias e outras correntes, e deu-lhes um sentido. Esse sentido não vai desaparecer, ficou explícito”.
Conversando com Perfecto Cuadrado (conversa ficcionada por este), sempre ruminando que como poeta se esgotara, que de surrealismo já nada restava a não ser os mandamentos sagrados que dão pelo nome de Liberdade, Amor, Conhecimento, justifica a sua poesia: “Uma pessoa que está convencida da inutilidade do seu grito, não grita. A poesia que escrevi é uma coisa que me foi dada, que me foi e ainda é útil. Se o é para os outros, não sei. A questão da inutilidade não se põe”.

O leitor toma consciência de que esta importantíssima recolha das entrevistas de um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos está focada, de acordo com as perguntas dos múltiplos intervenientes, no processo lírico e como emanou o movimento surrealista em Portugal e quais os seus próceres. É também necessário ler no que não se diz: António Dacosta é o grande ausente, percebe-se a necessidade de Cesariny matar o fundador da ideia surrealista, António Pedro, e procurara amesquinhar os seus companheiros, estando sempre a estraçalhar José-Augusto França. Acima de tudo, Cesariny é muito tático a exprimir a natureza do que faz nas Belas-Artes, é seguramente a reserva de alguém que cedo ganhou consciência que era um poeta-maior e que enquanto artista plástico não tinha a mesma categoria. Daí a camuflagem de dar entrevistas no seu ateliê e de pouco ou nada se falar do que está nas paredes. Cruzeiro Seixas, nunca desvalorizando o trabalho plástico de Cesariny, traça-lhe uma génese de grande originalidade, depois não prosseguida: “Os primeiros trabalhos de pintura eram interessantíssimos: ele pintava e depois mergulhava tudo na banheira e o papel absorvia uma parte da tinta. Inesquecíveis esses quadros”. E despede-se com grande fervor de memória: “Tenho mais a ver com a vida de Cesariny do que com o Cesariny morto. De resto, de certa forma, morri igualmente. O Mário para mim é o vivo, uma companhia inesquecível, extraordinária, exaltante”.
De leitura obrigatória. Está aqui um dos diamantes da cultura portuguesa.»
[Mário Beja Santos]

Persistência da Obra I — Arte e Política


Persistência da Obra I — Arte e Política 
Persistance de l’oeuvre I — Art et politique 

Boyan Manchev, Silvina Rodrigues Lopes, 

Jean-Luc Nancy, Federico Ferrari, Tomás Maia, 

Isabel Sabino 


Organização de Tomás Maia 

ISBN 978-989-9006-63-8 | EAN 9789899006638 

Edição: Dezembro de 2020 
Preço: 16,98 euros | PVP: 18 euros 
Formato: 17 × 21 cm (brochado) 
Número de páginas: 280 

Com o apoio do CIEBA 

Edição bilingue: português-francês

«Talvez a arte seja apenas isso — a declaração do nosso
 nascimento. Sempre suspenso sobre um abismo.»

Aqui mesmo, nove anos depois, persisto: a questão da persistência é a questão moderna da arte. Quer isto dizer que o nome «persistência» continua a prestar-se para abordar o que nos está a acontecer desde o advento da modernidade. 
Pois «moderno» é o pensamento do resto (da arte) que se separa da política e da religião — e que, ao separar-se, mostra a arte a si mesma, ou seja, mostra-nos a totalidade da arte. Se a arte existe desde a Pré-história ou, segundo uma outra história, desde os Gregos, o facto é que um tal resto que comunica com toda a arte só se revelou abertamente na era moderna. Daí a extraordinária e abundante experimentação sobre o limite da arte (ou da representação) que, pelo menos desde o primeiro Romantismo, atravessou todos os modos de expressão ou géneros artísticos. A persistência diz isso mesmo em todas as letras: o que atravessa ( per-) a história é o resto, e o que insiste é o todo da arte — a integralidade das formas que voltam até nós a partir de um tal resto. Se isto for compreendido, não haverá necessidade de forjar qualquer pós-modernidade ou, inversamente, sustentar um regresso nostálgico aos tempos pré-modernos. 
[…] 
Por ocasião da presente edição deste primeiro volume de Persistência da Obra, dedicado à relação entre arte e política (volume que se publica pela primeira vez em bilingue, aquando da publicação do segundo volume), proponho um texto inédito — «Igualdade da arte» — que procura apresentar uma tese na sequência da «Introdução» anteriormente escrita (inflectindo, como se poderá notar, o teor desta). Foram igualmente introduzidas pequenas correcções em todo o volume, bem como, no frontispício, uma reprodução de uma obra de Claudio Parmiggiani: um ovo (em mármore branco) encravado entre duas rochas altas no meio de uma floresta. A graça de uma tal peça parece condensar a fragilidade de qualquer criação: das mais estritas condições materiais surge, brotando ou caindo, a promessa de um novo ser. Talvez a arte seja apenas isso — a declaração do nosso nascimento. Sempre suspenso sobre um abismo. 
[Tomás Maia]

Persistência da Obra II — Arte e Religião


Persistência da Obra II
— Arte e Religião 
Persistance de l’oeuvre II — Art et religion 

Boyan Manchev, Alfredo Teixeira, Federico Ferrari, 

Jean-Luc Nancy, Tomás Maia, Paulo Pires do Vale 


Organização de Tomás Maia 

ISBN 978-989-9006-64-5 | EAN 9789899006645 

Edição: Dezembro de 2020 
Preço: 20,76 euros | PVP: 22 euros 
Formato: 17 × 21 cm (brochado) 
Número de páginas: 368 

Com o apoio do CIEBA e do CITER 

Edição bilingue: português-francês

«Proponho hoje esboçar um outro gesto: distinguir arte, política e religião,
 começando por desatar os nós mais apertados de uma tal encruzilhada. 
É a única maneira de proceder, parece-me, para que a obra enfim se liberte.»

A persistência também se faz na e através da diferença — das formas, dos tons e dos estilos. Para todos os participantes, bastou-nos um acordo profundo, ainda que por vezes tácito, sobre a necessidade ou mesmo a urgência de pensar a persistência da arte. Com efeito, poderia mesmo dizer-se que os dois encontros (sobre arte e política, primeiro, e sobre arte e religião, depois) procuram desenhar aquilo a que se poderia chamar a encruzilhada moderna da arte, mostrando a impossibilidade, o impasse ou mesmo o desastre aos quais conduziram as combinações ou as fusões variadas entre estas três vias (arte, política e religião). E sendo a obra (ou a sua ideia), de cada vez, o operador de uma aliança estético-política e/ou estético-religiosa, compreende-se que já se tenha podido responder a esse desastre com a injunção da «inoperância» (désoeuvrement). Todavia, tal nunca implicou que a ideia de obra, confinada exclusivamente ao campo artístico, devesse alguma vez ser abandonada. 
Tal é a razão pela qual proponho hoje esboçar um outro gesto: distinguir arte, política e religião, começando por desatar os nós mais apertados de uma tal encruzilhada. É a única maneira de proceder, parece-me, para que a obra enfim se liberte

*

Não haverá, pois, um terceiro encontro em torno do par «política e religião» (ainda que, em larga medida, seja esse par — ou essa aliança — a determinar catastroficamente o nosso destino colectivo, e há longa data). O projecto da «persistência» — que finda com este segundo volume — sempre e somente existiu sob o signo da obra. Se subtrairmos a «obra» a esse outro horizonte comum, então talvez comecemos a desaparelhar a política e a religião. Assim, também procurei assinalar que tanto a religião quanto a política — mas sobretudo a política (designando assim o nosso cuidado de libertação partilhada) — permanecem inteiramente por repensar sob outras categorias.
[Tomás Maia]

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

«Tristan Bernard. A sociedade que se baba por uma lágrima de arrependimento»


«Paul Duméry, um comum homem solitário de trinta e quatro anos, divorciado, vê-se desesperado sem dinheiro e sem perspetivas de trabalho, e através do seu amigo Daubelle conhece o riquíssimo Sarrebry. Duméry que nunca tinha cometido qualquer delito, engendra imediatamente um plano maquiavélico para assassinar este homem com o fito de se ver livre dos seus problemas financeiros, que tanto o assombram e fustigam. Nesses dilemas financeiros está a pensão que tem que pagar todos os meses à ex mulher, à mesma ex-mulher que o traiu com o seu melhor amigo. Chega a ser cómico lembrar que a primeira coisa que Duméry faz quando se vê com o dinheiro do assassino é precisamente enviar uma boa quantia para ela, pondo assim em risco a sua própria liberdade. Mas que liberdade, se Duméry é um homem cuja liberdade está há muito ameaçada, mesmo antes talvez de ter assassinado aquele homem? Mas à conclusão que vamos rapidamente chegar é que não é somente a liberdade de Duméry que está ameaçada, é também a do leitor. O leitor como ele, também se sente um insubmisso, um ameaçado e só por isso lê, porque a leitura é uma luz intermitente e insurreta à ilusão. O leitor como ele também é um fugitivo, e por isso no encalço de Duméry também ele foge e se refugia, em cada quarto de hotel, por entre as ruas de Dijon, Havre, Marselha, Paris. Mas, se ao leitor ainda lhe sobra alguma côdea de esperança, a este homem apenas lhe resta a tentativa de se auto dominar. Ele que assume não possuir “uma grande experiência do amor”, ele que assume que apenas se sente aliviado quando escreve, ele que confessa que há muito tempo não sabe o que significa sentir-se em casa. Pois bem, é graças a este sufoco e a esta insubmissão tonificante que não há um único momento, logo desde início em que o leitor não se sinta próximo de Duméry. E porquê? Fácil, porque o assassino podia ser qualquer um de nós. Duméry matou Sarrebry com um martelo, mas o leitor sente que ao escrever ele também escreve como se escrevesse com esse mesmo martelo. Um martelo pesado, sombrio e, no entanto, não lhe sentimos a culpa, sentimos-lhe sim o afrontamento, o pulso, o queimor. E é aí que se consolida a empatia e a cordialidade para com este homem.

Depois de ter cometido o crime na rue de Mesley, Duméry foge de Paris à deriva, mas logo é apontado como principal suspeita, e o seu rosto começa a aparecer em todas as capas de jornais. Então apavorado, mas munido com o dinheiro roubado, instala-se em Monte Carlo, onde vai conhecer Jeanne, uma mulher divorciada, também ela desolada e insatisfeita com a vida, que vê no casino alguma forma de consolação. Os dois acabam por se envolver, mas Duméry nunca lhe  revela a sua identidade, por isso quando se vê já preso e condenado à pena máxima estranha a sua inesperada visita. A primeira e última, porque Jeanne como ele também se suicidará, mas Jeanne não se suicida pelo desgosto de o ver condenado, e é ele quem nos diz isso, porque no fundo não há causa e efeito de nada sobre nada, de ninguém sobre ninguém, porque no fundo não somos ninguém. Jeanne suicidou-se porque sim, da mesma maneira que Duméry matou porque sim, da mesma maneira que Duméry não se defende do crime que cometeu porque sim, da mesma maneira que escreve porque sim.



Este diário que decorre entre os primeiros dias de Maio e o dia da sua morte a dezasseis de Setembro é um diário no limbo, no limbo do desejo e da renegação, do ódio à vida e do receio da sua perda, da repulsa à ordem e da necessidade de um porto de abrigo. É um diário no limbo entre o absurdo e uma espécie de esboço teatral do aceitável, entre a obsessão e a fuga do real. É esta ininterrupta e avassaladora insatisfação que move cada passo do narrador, cada sua dúvida e hesitação. Mas esta insatisfação tirana e anémica é de tal maneira intrínseca e natural a este homem, que não há nada que possa adquirir por si só alguma importância. Não há nada a perder, da mesma maneira que não há a ganhar neste mundo fantasma, neste mundo humilhante e dissimulado  (p.60) onde se «fabricava sem tréguas a felicidade ou a desgraça.» A felicidade ou a desgraça isso mesmo, e qual é a diferença para este homem? Nenhuma, e este diário é o registo exímio disso mesmo, da disfuncionalidade deste mundo, da indiferença, da estranheza de uma sociedade hipócrita, verruguenta, tão mais insegura que o comum dos Duméries. Não é Duméry que é um marginal, mas sim a sociedade raquítica, espurca, embostelada. A sociedade que se baba por uma lágrima de arrependimento. O que acontece é que Duméry não verte essa lágrima ougada por todos. Aliás, Duméry não verte lágrima nenhuma e é aí que entra a ironia como macronutriente predominante desta história.  (p.142) «Mesmo que a Sociedade tenha instrumentos para todas as tarefas, só Deus e os assassinos sabem fazer-nos morrer.» ou ainda (p.145) «Há no céu mais lugar para um pecador que se arrepende do que para um justo que nunca falhou.»

O que acontece é que Duméry não é um pecador que se arrependeu, nem um justo que nunca falhou, mas nem por isso ele passa a ser um homem turvo, dúbio, controverso. De maneira nenhuma, a sociedade sim é que é controversa, dúbia, turva, mas na altura em que decide voltar atrás depois de o ter condenado, ao vê-lo desfalecer e cair terrivelmente doente numa cama, já será tarde demais e ele acabará por se suicidar.

Tristan Bernard desde logo nas primeiras páginas, não nos dá nenhuma hipótese para julgamentos, e por essa razão nos pomos imediatamente ao lado do narrador atravessando com ele impunes a sua retina incomplacente e inexorável. É então, desse modo, que o leitor por se ver por dentro da pele do narrador diarista se deixa ficar desde o primeiro momento, de pedra e cal firme a seu lado, zelando e temendo por ele. Mas no fundo, o leitor não zela e teme apenas por Duméry, ele zela e teme por si próprio a cada relato do diário, porque em alguma parte do seu sacrário interior, o leitor sabe que indubitavelmente vai encontrar algo de monstruoso que também o perseguirá sem tréguas.  Essa perseguição a que o leitor se sujeita é o preço base de toda a leitura. Na verdade, é certo que toda a leitura tem a sua sentença, e a leitura deste diário é áspera, severa e desassossegada.

Duméry que é um cidadão cumpridor, eloquente, culto, genuinamente bem formado, nunca se imaginou a assassinar alguém, e, no entanto, assassinou. A sangue frio ele matou porque se viu obrigado a matar. A sangue frio ele confessa o seu crime sem nenhum remorso ou arrependimento, porque não se vê obrigado a não confessar. A confissão e  culpa não têm que ser aplaudidas ou vertidas em soluços de absolvição só porque assim é esperado, até porque a sua ausência de culpa, ou melhor, a ausência de uma encenação é o que mais tonifica a sua personalidade e o cerne deste romance.  Aliás, é precisamente através desta ausência de culpa de Duméry, que Aníbal Fernandes no seu prefácio estabelece uma comunhão entre Tristan Bernard, Dostoievsky e Camus e dos três romances em questão (Entre a Espada e a Parede (1933) / Crime e Castigo (1886) / O Estrangeiro (1942)).

O tradutor desenha-nos no seu esclarecedor prefácio um triângulo entre os três personagens por ele comparados no seu texto, ou seja, o Duméry de Bernard, o Raskolnikov do Crime e Castigo de Dostoievsky e o Mersault de O Estrangeiro de Camus. (p.9) «No que toca a Dostoiévski, depois de alguma semelhança entre os crimes frios do seu Raskolnikov e o deste Duméry, tudo é diferente porque o assassino russo se prolonga numa implacável peregrinação expiatória, enquanto o assassino de Aux abois vive numa ausência de sensação de culpa, numa entrega passiva e com qualquer coisa de entediada aos prazeres que a sua desenvolta situação financeira lhe proporciona.»  Por sua vez, a comparação que é feita com a personagem do Mersault de Camus prende-se com o fato de que Mersault tal como Paul Duméry também não sentir remorsos nenhuns, apenas medo do que lhe acontecerá em seguida. (p.10) «Em Bernard e Camus, para além do percurso de uma escrita que em ambos combate a morte determinada por decisão judicial, notam-se outros paralelismos entre pontos essenciais das duas obras: pormenores do crime; a forma como ambas as personagens são presas; o anúncio da pena capital e até a possibilidade da entrevista com o capelão. E pode a tudo isto acrescentar-se que a leitura dos Carnets de Camus nos informa a sua hesitação, durante a escrita de L’Étranger em fazer Mersault suicidar-se (como acontece à personagem de Bernard).»

Esta aproximação estabelecida entre personagens aponta para o espelho cruzado entre as três obras, o seu ossobuco gélido, o halo de indiferença, a impassibilidade insuflada, o farrapo das emoções, e por fim, mas não pela mesma ordem, o seu naufrágio.

Se nos focarmos em O Estrangeiro de Camus, também podemos além destas semelhanças, acusar talvez aquela que seja a que mais aproxima os dois personagens principais além da ausência de remorsos, as mulheres. É que em ambos, tal como acontece com a culpa, com o amor também não há a necessidade de uma encenação oleada. Tanto em Duméry como em Mersault, há a ideia de que «a mulher é uma loba para a mulher» (Bernard, T.,  A Vontade do Homem)  isto é, também elas se bastam a si próprias. São mulheres disponíveis, fáceis, desenvoltas. Neste romance por exemplo, o que verdadeiramente distrai e dá prazer a Jeanne é o casino, o jogo, o vaivém da incerteza, não são os encontros e as noites com Duméry. Também da sua parte não vemos nenhuma lágrima ou angústia quando Duméry a abandona e parte para Paris. Também com Marie estamos perante uma mulher disponível. Vejamos quando ela do nada se reencontra com Mersault numa praia passados tantos anos sem se verem, e ela se deixa levar solta pelo momento. Marie mostra-se o suficiente à vontade para o deixar aproximar-se de si sem o menor pudor. A imagem de Mersault a subir para a boia onde ela estava deitada a apanhar sol embalada pelo ligeiro ondular do oceano é de uma sensualidade soberba nunca alcançada no presente livro por Tristan Bernard, que mais não passa de tratar o corpo  ou o sexo como um regresso “à boa carne quente” (p.76) ou como “um refúgio sagrado” (p.74) capaz de lhe conceder o perdão e a “abolição do passado”.

Este diário que é escrito no tempo presente mas sobre um tempo passado, carrega por isso implicitamente a noção de “passagem”. Esta passagem é encarada ora como uma nuvem coleante a ensombrar ora como um folego agitando todo o registo literário. A cada parágrafo do diário, vamo-nos apercebendo que tudo nos é apresentado como sendo vago, volátil, impreciso, intangível. (p.73) «Para amar a vida é realmente preciso combatermos as dificuldades e sairmos delas, mesmo que o façamos de passagem» ou «Bonito mês de Maio, quando te vais embora?» Lermos estas frases é como lermos um desespero sonâmbulo que aparece e desaparece indolentemente. É como que se o diarista se quisesse convencer que ele próprio escreve para lutar contra essa mesma noção de “passagem”, de abandono, de descontrole, de indolência. Ele quer-nos provar que pela escrita se poderá munir de mais força e tranquilidade para não temer o mal que se avizinha, senão vejamos (p.74) «Estou neste momento tranquilo e com a impressão de que nunca serei preso. Digo a mim mesmo que faço mal em pensar isto, em escrevê-lo, em desafiar o destino.» ou «O que me desencoraja é perder a confiança que tinha nesta confissão escrita, para me acalmar. Deixei de ter domínio sobre mim.»  São muitas as vezes em que nos apercebemos a dualidade que o poder da escrita exerce sobre si. O leitor testemunha esse dilema que é para Duméry pressentir que se ao escrever ele pode ter o poder de se libertar e controlar as suas emoções (mesmo que nem sempre aquilo que escreve seja transparente), mas também que ao escrever, sem ter noção, pode inesperadamente invocar a maior das fatalidades e desafiar o que o espera.

Foi em 1933 que Tristan Bernard escreveu este livro, mas se recuarmos a esse ano facilmente chegamos a obras de outros escritores franceses como Malraux com A Condição Humana, Les Boutique de cannelle de Bruno Schultz, ou Les Inconnus Dans La Cave de Jean Cassou.  De notar também curiosamente, que foi neste preciso ano que em várias cidades alemãs, meses depois da ascensão de Hitler ao poder, viriam a ser queimados milhares de livros de escritores germânicos opositores ao regime nazi. Romancista, colaborador de revistas como a Revue Blanche onde viu serem publicados os seus primeiros textos, foi no teatro e na comédia que alcançou os maiores sucessos com mais de trinta peças. Ele que escreveu que «o teatro é regido por leis, mas essas leis, ninguém as conhece”, no seu círculo de amigos faziam parte Jules Renard, fundador da revista literária Mercure de France, o humorista Alphonse Allais,  os escritores Georges Bernanos, Breton, Georges Courteline, Lucien e o cineasta russo Sacha Guitry.

Este livro é muito mais do que um diário de um assassino, é um diário poético de um homem acostumado a viver com o seu próprio abandono, com os seus livros, as suas poucas mulheres, os deus desvarios, a sua solidão aguçada e coerente. Duméry, o diarista desta história, terá que ser sempre lido como um homem acima de tudo coerente, e acima de tudo coerente para com o leitor. Um homem que não se deixou marionetar pelo “traje de máscaras” da sociedade burguesa parisiense da sua época. «Foi Deus que criou o mundo, mas parece ser o diabo quem o mantém», esta sua frase ilustra magistralmente este romance. Acima de tudo Duméry a cada nova leitura será um homem que já não está cá. Faltam homens que como ele já não estejam cá. Por outro lado, se virmos o seu diário num outro prisma, podemos também entender a sua escrita como outra forma de encenação. Afinal escrever também é encenar, ordenar, catalogar o absurdo, o obscuro, o estranho, o indecifrável, toda a maldição entre a espada e a parede.»

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

«Persistência da Obra» [lançamento on-line]

 


PERSISTÊNCIA DA OBRA I
ARTE E POLÍTICA
PERSISTÊNCIA DA OBRA II
ARTE E RELIGIÃO


Organização de Tomás Maia

Apresentação a 15 de Janeiro de 2021, sexta-feira, às 18h30, por Rodrigo Silva (professor na ESAD — Caldas da Rainha) do primeiro volume (Arte e Política), seguida da apresentação por João Sarmento (padre jesuíta, responsável pela Galeria da Brotéria) e, sob confirmação, por Maria João Mayer Branco (professora na FCSH da Universidade Nova de Lisboa) do segundo volume (Arte e Religião). 
Estes livros propõem pensar a questão moderna da arte: o que resta da obra após a sua separação da política e da religião. O projecto da Persistência manteve o núcleo inicial de autores (Boyan Manchev, Jean-Luc Nancy, Federico Ferrari e Tomás Maia), tendo acolhido no primeiro volume Silvina Rodrigues Lopes e Isabel Sabino, e no segundo volume Alfredo Teixeira e Paulo Pires do Vale (no âmbito da parceria encetada com o CITER da Universidade Católica Portuguesa). Os dois volumes, inteiramente bilingues (português /francês), são editados pela Documenta (ambos apoiados pelo CIEBA e o segundo apoiado pelo CITER). 



A sessão será on-line, no endereço <https://videoconf-colibri.zoom.us/j/83704589359>
ou na nossa página do Facebook <https://www.facebook.com/sistemasolar.pt>

Além dos dois oradores principais, a sessão contará com breves participações de alguns dos autores (em directo ou gravados: Boyan Manchev, Federico Ferrari, Jean-Luc Nancy), assim como de representantes dos dois centros de investigação, CITER e CIEBA, respectivamente a Professora Luísa Almendra e o Professor João Paulo Queiroz. A sessão será moderada por Catarina Reis, doutoranda em Belas-Artes. 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

«Persistência da Obra» [convite]

 

PERSISTÊNCIA DA OBRA I
ARTE E POLÍTICA
PERSISTÊNCIA DA OBRA II
ARTE E RELIGIÃO

Organização de Tomás Maia

Apresentação a 15 de Janeiro de 2021, sexta-feira, às 18h30, por Rodrigo Silva (professor na ESAD — Caldas da Rainha) do primeiro volume (Arte e Política), seguida da apresentação por João Sarmento (padre jesuíta, responsável pela Galeria da Brotéria) e, sob confirmação, por Maria João Mayer Branco (professora na FCSH da Universidade Nova de Lisboa) do segundo volume (Arte e Religião). 
Estes livros propõem pensar a questão moderna da arte: o que resta da obra após a sua separação da política e da religião. O projecto da Persistência manteve o núcleo inicial de autores (Boyan Manchev, Jean-Luc Nancy, Federico Ferrari e Tomás Maia), tendo acolhido no primeiro volume Silvina Rodrigues Lopes e Isabel Sabino, e no segundo volume Alfredo Teixeira e Paulo Pires do Vale (no âmbito da parceria encetada com o CITER da Universidade Católica Portuguesa). Os dois volumes, inteiramente bilingues (português /francês), são editados pela Documenta (ambos apoiados pelo CIEBA e o segundo apoiado pelo CITER). 



A sessão será mista, presencial e on-line: — na sala 361 da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (limitada a 15 pessoas)* — e no endereço <https://videoconf-colibri.zoom.us/j/83704589359>

Além dos dois oradores principais, a sessão contará com breves participações de alguns dos autores (em directo ou gravados: Boyan Manchev, Federico Ferrari, Jean-Luc Nancy), assim como de representantes dos dois centros de investigação, CITER e CIEBA, respectivamente a Professora Luísa Almendra e o Professor João Paulo Queiroz. A sessão será moderada por Catarina Reis, doutoranda em Belas-Artes. 

* Devido às restrições no acesso à sala, solicita-se, a quem desejar assistir à sessão presencialmente, que o comunique até dia 14 de Janeiro para o endereço: <comunicacao@belasartes.ulisboa.pt> 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

«André Barata: “O vírus é um pesadelo para o sistema porque perturba esse ideal do controlo.”», por João Gabriel Ribeiro



 
«Entrevistámos o filósofo português a propósito do seu livro O Desligamento do Mundo e a Questão do Humano, no qual, num confronto directo com a ideia de que estamos cada vez mais ligados em rede, André Barata estabelece uma longa análise crítica do que esta ideia de senso comum representa, propondo que pelo contrário estamos cada vez mais desligados.» 
 
 
«“[A]pesar de uma ressonância profunda (…) convém advertir que este livro foi todo escrito antes da pandemia da Covid-19”. Assim termina o parágrafo de agradecimento do livro O Desligamento do Mundo e a Questão do Humano do filósofo português André Barata, e inicia o artigo da 1.ª edição da Revista do Shifter em que seguimos as pistas deixadas pelo filósofo nesse livro, escrito antes da pandemia, recorde-se, para procurarmos explorar o sentido da pandemia de Sars-CoV-2. Às ideias de André Barata expostas posteriormente numa entrevista por e-mail e outras presentes no seu livro, juntámos outros intervenientes — André Peralta Santos, Médico Especialista em Saúde Pública, Bernardo Gomes, também médico com a mesma especialidade, e João Marecos, advogado e com trabalho na área da desinformação, que nos permitiram um olhar mais especializado sobre aspectos concretos da gestão de um fenómeno desta escala. Seguindo as pistas do livro, falámos sobre a pandemia que lhe sucedera. Falámos, por isso, sobretudo sobre a forma como ela se abate sobre as sociedades, numa entrevista por escrito em que expressões do próprio livro enunciam as questões.
O Desligamento do Mundo e a Questão do Humano, editado pela Documenta no ano de 2020, convida à ilustração da sociedade contemporânea e dos padrões da vida humana segundo a analogia do desligamento. Num confronto directo com a ideia de que estamos cada vez mais ligados em rede, o filósofo André Barata estabelece uma longa análise crítica do que esta ideia de senso comum representa, propondo que, pelo contrário, estamos cada vez mais desligados. “[N]a realidade nunca andámos tão desligados do mundo e de tudo o que nele não está sob o controlo do sistema de produção global”, pode ler-se no princípio do prólogo. O livro, que se divide em 9 capítulos, debruça-se sobre diferentes ângulos da esfera global da vida em sociedade, problematizando-se.

Escrito de um modo simples e numa linguagem acessível, apesar da complexidade das ideias expostas, o livro convida permanentemente a um exercício de questionamento entre o que nos propõe e o que observamos, conduzindo uma reflexão bastante ampla mas nunca dispersa. André Barata estabelece ao longo do livro uma série cruzamentos entre referências mais mundanas, como é exemplo o texto “O skate e o gozo da materialidade” também publicado no Shifter e no Jornal Económico, e referências intelectuais como Hannah Harendt, Byung-Chul Han, Mark Fisher, entre muitos outros, que o tornam simultaneamente complexo e inclusivo.

A entrevista feita em Julho deste ano 2020 foi dividida em duas partes. Uma primeira em que se procurou explorar uma maior relação das ideias com o momento concreto da pandemia, promovendo a reflexão que se materializou no artigo na revista do Shifter, e uma segunda de maior abrangência temática, em que embora o impacto do contexto acabe por se fazer sentir, se procuraram explorar outras nuances. Esta tendência para relação fácil — contagiosa —entre as problemáticas do mundo pré-pandemia e aquelas com que o surto global nos confrontou serve simultaneamente de sustentação para a ideia da crise como catalisador de uma mudança pré-determinada pelo contexto em que ocorre e para validação do conceito de Desligamento proposto pelo filósofo. André Barata propõe a ideia de um desligamento em parte precipitado por uma obsessão pela conexão que assim nos desliga do mundo – no sentido mais próprio da palavra – uma ideia que, por ventura, poderia ser contrariada por um vírus que nos invadiu vindo da natureza, mas cuja persistência de certas formas se fez sentir quer na resposta institucional, quer na resposta social ao problema.
 
Shifter: “A sobrevivência deixou de ser meio para a vida e passou a ser o fim mesmo da vida.” — Um fenómeno como o coronavírus, sendo de origem biológica e sem discriminar quem infecta, pode de algum modo restabelecer a ligação ao mundo ­— ao evocar um elemento natural — ou a própria forma com que encaramos e reagimos ao vírus é já demasiado desligada?
 
André Barata: As duas ideias são verdadeiras. Haveria uma consciência do desligamento do mundo a ganhar quando de repente a realidade de um vírus se impõe. Até Donald Trump já pôs nestes últimos dias uma máscara na cara! O princípio da realidade vai-se impondo. Mas, ao mesmo tempo, tudo é feito para contornar o problema e restabelecer o desligamento. A maneira como estamos a lidar com o vírus é determinada sobretudo pela vontade de restabelecer um normal a que se chama novo, mas em que a novidade é apenas o que o normal tem de acomodar e absorver, neutralizar num sentido muito particular o facto da pandemia: não a sua virulência e letalidade, mas a sua agressividade para com o sistema socioeconómico e político do desligamento. Portanto, sim reagimos à pandemia sobretudo comandados pelo desligamento e era precisamente a isso que devíamos resistir. Era preciso ter visto na pandemia uma fissura e por ela ter espreitado para o mundo desligado.
[…]»
 
 
 
[João Gabriel Ribeiro, Shifter, 30-XII-2020]

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

«Curt Meyer-Clason: o nosso cometa cultural», por Rodrigues Vaz


 «Embora a 5 mil quilómetros de distância, em Luanda, devido à minha profissão de jornalista, tinha acesso a toda a imprensa que se publicava em Portugal, pelo que tenho ainda na lembrança que, no princípio dos anos 70, as manifestações culturais na capital portuguesa apresentavam uma constância recorrente algo estranha: tinham origem, cada vez com mais frequência, no Goethe-Institut de Lisboa.

Não havia volta a dar: eram exposições, eram concertos, eram palestras, eram colóquios, eram encenações teatrais, enfim, eram todo um sem número de manifestações a que acorria um público cada vez maior e mais interessado.

O causador destas coisas estranhas no ambiente penumbroso e estático que era a Lisboa daquela época, tinha um nome: chamava-se Curt Meyer-Clason (1910-2012) e sobre a sua estada em Portugal à frente do Goethe-Institut, em que reflecte sobre a sua acção, deixou disto testemunho no livro Diários Portugueses, que a editora Documenta publicou em 2013.

Curt Meyer-Clason não precisa de apresentação. A sua acção cultural, no sentido mais amplo do termo, como o nosso cometa cultural, durante os sete anos em que dirigiu o Instituto Alemão de Lisboa, constitui credencial suficiente para quem, nesta cidade e neste país, estava minimamente atento ao que se passava à sua volta. […] Ele foi o nosso cometa cultural.
[…]»
 
[excerto de intervenção lida em 2 de Dezembro de 2020, no Restaurante O Pote, em Lisboa, no âmbito dos almoços da Tertúlia À Margem]