sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

«chega-se agora a uma nova fase em que o capitalismo parece fechar-se sobre si mesmo em canibalismo do escasso.»


«Em democracia, as escolhas não são técnicas, mas políticas, ou seja, relativas à maneira como queremos viver comunitariamente sob um pressuposto de abertura da História ao seu futuro. Nada se perde em se repetir Shakespeare e dizer que continua a haver "mais coisas no céu e na terra do que as que sonha a tua filosofia". Ou a tua economia, ou a tua moralidade.
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Mas como será no quadro de um capitalismo financeiro, especialmente quando acirrado pela sua própria crise? Na verdade, do capitalismo predatório de recursos naturais, como terá sido o capitalismo industrial durante o século anterior, e do capitalismo improdutivo que terá sido a "financiarização" que se instalou nas últimas três décadas na economia mundial, chega-se agora a uma nova fase em que o capitalismo parece fechar-se sobre si mesmo em canibalismo do escasso.
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Se o interesse mobiliza cada indivíduo, cada família, cada comunidade a partir da sua sobrevivência particular, a vontade, que nos mobilizaria a partir de um projecto, seria sinal de vida com sentido, vida imaginativa. A subtracção da vontade é a subtracção do sentido e da imaginação ao interesse e, com elas, do lugar próprio da sua constituição — a esfera pública. Em contrapartida, subtraídos de vontade, não surpreenderia que a frieza do cálculo dos meios concluísse, racionalmente, que o preferível ao interesse seria deixarmos de existir. Instala-se então uma moralidadezinha da existência, da pouca existência, ou ainda, da existência já em dívida antes de tudo o mais. É uma história antiga, demasiado antiga, de dívidas e culpas, a que já Nietzsche se opunha, quando, na sua Genealogia da Moral (1887), denunciava que, na língua alemã, a raiz do sentimento de culpa (Schuld) residia na ideia bem materialista de dívida (Schulden)

André Barata, Primeiras Vontades
- Da liberdade política para tempos árduos, Documenta, 2012.

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