segunda-feira, 25 de março de 2013

Adeus anos 70


«Em Dezembro de 1979, a sociedade Alunos de Apolo promoveu uma noite de rock intitulada "Adeus anos 70". Uns meses antes, em Nova Iorque, os Ramones gravavam um dos seus discos mais marcantes, o álbum End of the Century. Nesse disco, os Ramones não só assinalavam o fim dos anos 1970 como percepcionavam nesse momento o final do século XX. E o tom era de uma profunda nostalgia. Nostalgia pelos primórdios do rock'n'roll, pelos gloriosos tempos da rádio, pelo tempo de todos os futuros radiosos; [...]
Qualquer comparação entre Lisboa e Nova Iorque talvez possa ser abusiva. Mas, no contexto do final dos nos 1970, é possível estabelecer um ponto comum: uma certa sensação de ressaca, ou até mesmo de pós-ressaca, aquele momento em que ao choque e à náusea se seguem a desesperança e o vazio. Num caso, a implosão de um futuro prometido por trinta anos de pujança económica; no outro, a desilusão pós-revolucionária. Em muito boa medida, embora em condições bastante modificadas, conseguimos reconhecer também hoje, em tempos de crise, uma tensão entre a revelação apocalíptica e o desejo de regresso às tábuas de salvação do passado.
É porventura à luz desta curiosa coincidência que terá mais interesse olhar para este livro de José Paulo Ferro, um álbum composto por um conjunto de fotografias - comentado por dois textos de abertura, de Margarida Medeiros e de João de Menezes-Ferreira - tiradas pelo autor no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quase sempre na zona de Lisboa, que mostram jovens em encontros, concertos, performances de teatro, festas em casas particulares, etc. [...] O que vemos são corpos anónimos - por mais que algumas daquelas pessoas sejam reconhecíveis: Pedro Ayres de Magalhães, Zé Pedro, Al Berto, por exemplo -, nada sabemos sobre o que resultará dos cenários que compõem, ou sequer se resultará alguma coisa.
[...]
Mais do que um cliché do género "retrato de uma geração", embora em certo sentido também o seja, este livro deixa muito em aberto, e esse é provavelmente o seu aspecto mais estimulante. [...] A nostalgia pelo fio de uma meada que há muito se perdeu? Ou o desejo do flirt com um campo de possibilidades de onde verdadeiramente nunca saímos?»

Fernando Ramalho, Le Monde Diplomatique (edição portuguesa), Março de 2013.

Sem comentários:

Enviar um comentário