Um artista plástico e dois psicanalistas
conversam sobre a arte, a memória e a vida. Um testemunho raro.
Vasco Araújo diz: «O mundo é feito de coisas invisíveis que quando se mostram são
extraordinárias. A arte é como se fosse uma flecha que nos atiram, para nos
provocar uma direcção, no sentido da observação excessiva de um objecto». A
prova da afirmação é feita com sucesso em Para Grandes Solidões, Magníficos Espelhos, livro que documenta uma série de
conversas entre o artista plástico e a psicanalista Carmo Sousa Lima (com vasta
prática clínica, e como formadora tem orientado seminários sobre arte e
psicanálise), também com a participação do psicanalista João Sousa Monteiro
(co-autor de programas de r ádio de referência sobre psicologia e
educação). Numa permuta muito pouco comum entre artistas ou intelectuais
portugueses, porque delicada e generosa e não competitiva ou exibicionista,
duas (depois três) sensibilidades agudíssimas e muito bem apetrechadas
partilham experiências e memórias pessoais e perspectivas sobre a arte e a
vida.
Através da proximidade conquistada entre os
autores, abre-se também para o leitor uma janela imediata e original sobre a
prática clínica e a criação artística. Vasco Araújo, na sua consistente
carreira internacional tem usado diversos dispositivos e suportes (escultura,
instalação, fotografia, performance,
sobretudo vídeo) para desenvolver um discurso e uma poética muito singulares. A
reflexão conjunta sobre algumas das suas obras ocupa uma boa parte do diálogo
com Carmo Sousa Lima, mas também nestes casos o atractivo maior é o fluxo muito
livre de ideias, impressões, memórias e associações.
Acompanhamos de uma hipótese teórica
inovadora e das histórias, quase contos, da infância ou da experiência clínica
da psicanalista às reflexões conceptuais do artista e ao posicionamento dos
três intervenientes perante a estética. Para
Grandes Solidões, Magníficos Espelhos desenvolve-se como um espaço de fluente
observação e conhecimento dos seres e das coisas. Coisa rara hoje em dia,
mostra-nos a possibilidade do encontro e da intimidade no espaço das
ideias.
Filipa Melo, Sol, 20-XII-2013
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