Contudo, Billy Budd deixa mais pontas soltas do que tira conclusões – o que só lhe confere maior apelo, diga-se. Por que razão Claggart acusa Budd? O que motiva o seu (aparente) ódio e a conspiração que tece em torno do «Marinheiro Bem-Parecido»? Em mais um excelente prefácio à sua tradução, Aníbal Fernandes deverá ter acertado, ao buscar na biografia de Melville a raiz dessas tensões. Afinal, o autor, desde a obra de estreia, Typee, fez da sua vida um ponto de partida determinante, que a sua arte apenas matizou, sem nunca se afastar dela.
Neste caso, é possível que seja importante lembrar (como Fernandes) a sua relação com Hawthorne, intensa e de uma grande radicalidade, em muitos pontos. Há uma corrente homoerótica, em Billy Budd que seria inocência, casmurrice, ou bruto preconceito, não explorar, a percorrer este relato marinho, em que a compleição física das personagens se articula tão claramente com as disposições morais, em que o não-dito é quase tão potente como o que se afirma. Em que, enfim, parece ser a repressão do desejo que leva à injustiça da condenação de Billy Budd. Talvez não por acaso, Morrissey – esse grande poeta do universo Pop, recentemente levado à categoria de autobiografafo – transformou Billy Budd, na música com o mesmo nome, num subtil manifesto contra a discriminação sexual: «Já sabes que me disseram que não? E é tudo por causa de nós.»
Derradeira realização de Melville, Billy Budd, que ficaria inédito até 1924, manteve-se em estado inacabado, o que apenas adensa o mistério de um livro que deixa no ar a dúvida, com uma linguagem que dá um perturbante realce a «uma profundidade de poço» (p.89), ou que se entretém em descrições de uma sensualidade sempre suspensa entre o contenção e a perversidade – «Debaixo das margaridas gratificadas com vermelho pode haver uma armadilha.» (p.98)
Hugo Pinto Santos, Time Out Lisboa, 15-21 de Janeiro de 2014
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