sábado, 8 de setembro de 2012

«Sodoma em Paris»


«Sodoma em Paris. Assim se poderia resumir a vida e, em boa medida, o espírito da obra de Jean Lorrain. Sodoma em Paris, replicará o leitor, não passa de uma graçola redundante e preconceituosa do crítico, já que Paris é, de certa forma, uma Sodoma moderna em si mesma. De forma alguma, de forma alguma.
Redundante? De entre toda a boémia e a libertinagem que o final do século XIX testemunhou na capital francesa, o biógrafo do escritor, Phillipe Jullian, ainda encontrou a excepcionalidade suficiente em Lorrain para o presentear com o notável título de «embaixador de Sodoma em Paris». Preconceituosa? Ainda menos. Lorrain é um ídolo transgressor, um símbolo de liberdade, uma figura basilar da mitologia homossexual. Uma persona tanto inspiradora quanto trágica. Sarah Bernhardt tê-lo-á definido como um «grande artista» escondido debaixo de um «ser abominavelmente depravado». Mas se ser um primus inter pares no meio da decadência parisiense e um campeão da ignomínia jornalística chegariam (e chegaram) para fazer dele um dos mais notáveis nomes da sociedade francesa, livros como O Senhor de Bougrelon viriam consolidar, e eternizar, o nome de Jean Lorrain. Mencionei que Lorrain era escritor, não mencionei?
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Jean Lorrain era um dandy dificilmente igualável. Figura icónica do seu tempo, o dandy era, como diz Aníbal Fernandes na apresentação do recém-publicado O Senhor de Bougrelon (que também traduz com grande competência e experiência), simultaneamente «invejado mas, neste jogo perigoso, troçado». Os escritores Oscar Wilde, Lord Byron ou Joris-Karl Huysmans, tanto na sua vida como na sua obra, reproduziram esta forma de estar na sociedade que era ao mesmo tempo corajosa e triste, comportando-se como se sempre tivessem sido aristocratas, por vezes levando-o ao limite e ao ridículo. Lorrain não quis ser excepção. Desejoso de aceitação pública e de estatuto, o agora crescido «pequeno Paul» conseguira algo próximo da eterna fama de infame que só as grandes «bestas negras» conseguiram. Temido por muitos em Paris, era conhecido por destruir carreiras com a sua crítica jornalística – que manteve em jornais como o Le Courrier Français, o L’Événement ou o L’Écho de Paris. Corrosivo, ficou famoso por fazer nomes e demolir reputações. Era praticamente uma caricatura da sua época e do seu meio: pomposo, incisivo, vaidoso, amaneirado, escandaloso, ansioso por chocar os outros. Mas também, para sua tragédia e das suas personagens, alguém em queda.
[...]»

João Carlos Santana da Silva, Orgia Literária

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