quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Irracionalidades do amor e do sexo | Gonçalo Mira
Foto de Rui Soares | Arquivo Público
Um diálogo sobre a sexualidade, uma interrogação do jogo de poderes homem-mulher
Desde o início da carreira de Peter Handke (n. 1942) que existe uma ideia gravada na sua consciência e, consequente-mente, na sua obra: a de que a literatura não representa – não pode representar – nada mais do que a própria linguagem. Toda a tentativa de representar o mundo real esbarrará nos limites incontornáveis da linguagem. Daí que não exista, em boa parte da obra de Handke, uma preocupação com a questão da verosimilhança.
A sua mais recente obra é uma peça de teatro, originalmente escrita em francês, Os Belos Dias de Aranjuez – um diálogo de Verão, que é agora publicada pela Documenta, aproveitando a sua encenação por Tiago Rodrigues, no âmbito do Lisbon & Estoril Film Festival, onde o autor fez parte do júri da competição de curtas-metragens.
O subtítulo da peça dá-nos praticamente toda a contextualização que teremos: um diálogo entre duas personagens, durante o Verão. Começa com um parágrafo introdutório que é mais prólogo do que indicação cénica. Nesse parágrafo diz-se que há “Uma mulher e um homem, debaixo das árvores invisíveis, apenas audíveis” e “Uma mesa de jardim muito grande, vazia, entre a mulher e o homem”. Diz-se também que quer a mulher, quer o homem estão fora “de todo e qualquer enquadramento histórico e social – o que não significa que estejam fora da realidade – quem sabe se não será ao contrário?”
Esta questão é já um enigma. Ao contrário de quê? É a realidade que está fora das personagens? O texto permite assumir que sim, duas personagens que não estão fora da realidade, mas para quem a realidade é algo externo, algo que não lhes está no âmago. No seu âmago há apenas aquele diálogo, algures num “belo dia de Verão. Um jardim. Um terraço.”
A primeira frase deste parágrafo inicial diz: “E, de novo, um Verão.” Aquela subtil expressão temporal – “de novo” – alude à repetição, permite adivinhar um passado, outros Verões, uma história comum a estas personagens. É verdade que, por um lado, todo o teor da conversa permite adivinhar que estas duas personagens não são estranhas entre si mas, por outro lado, nunca é explicitada qual a relação entre os dois, em que pontos e em que circunstâncias as suas vidas se tocaram.
É, aliás, esse teor da conversa que em grande parte contribui para a noção de inverosimilhança, de existência para lá de qualquer noção de realidade. Se não estão fora do real, como Handke parece querer convencer-nos, o real está fora deles – este diálogo de Verão parece ocorrer numa espécie de realidade paralela.
Não é fácil justificar esta afirmação. O escritor norueguês Karl Ove Knausgaard, num ensaio recente, escrito a propósito do International Ibsen Award com que Handke foi galardoado, escreveu que os livros do austríaco “resistem à interpretação. [...] Os livros de Handke interpretam-se a si mesmos.” Mas podemos justificar esta sensação de realidade paralela, ou pelo menos de distanciamento de uma imagem reconhecível de realidade, com uma certa ideia meta-ficcional que existe na obra.
Depois daquele parágrafo introdutório a que já aludimos, a primeira fala é do Homem: “Quem é que começa?”. A Mulher responde: “Tu. Como estava previsto.” Não são muitas as indicações desta ordem, que permitem, mesmo que nunca explicitamente, falar de meta-ficção, mas há uma outra, mais adiante, em que a Mulher diz: “Felizmente, não estamos num drama, nós dois. Apenas num diálogo de Verão.” É vago, mas o facto de remeter para o subtítulo e de falar, antes, no drama (género teatral na sua origem), aliado às indicações anteriores como o início do diálogo, dão azo a que se possa especular sobre a possível consciência ficcional destas personagens.
Tudo isto é apenas uma contextualização do que rodeia o diálogo em si, que é o que realmente importa. Mas o estranhamento que esse diálogo nos provoca parece pedir que se fale de tudo o que o envolve, de tudo o que o possa justificar. É apenas um impulso, que eventualmente não agradará a Handke, que nos desvia do diálogo. Contudo, não nos desvia ao ponto de não podermos desfrutar deste, apreciá-lo.
Àquelas duas primeiras falas já citadas, segue-se uma pergunta do Homem: “A tua primeira vez, com um homem, foi como?” O leitor que se estivesse a perguntar de que tipo de estranhamento falávamos tem, com esta primeira pergunta, uma pequena noção do que o espera. E se não for suficiente, a resposta da Mulher é a seguinte: “Olha ali um bútio, por entre as árvores, como uma flecha. Ou será um milhafre?” Antes desta resposta há uma indicação cénica que diz: “A Mulher com uma voz adequada à cena, tal como o homem, mas não demasiado”. Esta indicação é, toda ela, um enigma. O que é uma voz adequada à cena? Mas não demasiado?
Segue-se a resposta do Homem, ainda sobre as aves, para culminar insistindo na pergunta que tinha feito e à qual a Mulher não tinha respondido. A partir daqui, com outras interrupções semelhantes, o diálogo centra-se em questões de sexualidade, numa interrogação do jogo de poderes homem-mulher.
A descoberta da sexualidade pela Mulher, num baloiço, aos dez anos foi como “a origem do mundo” e ao mesmo tempo privou-a não apenas da infância, mas também “de toda a legitimidade de uma habitante do mundo habitual”. A Mulher descreve assim a sensação: “Pavor doce – doçura de um além – novo pavor sem a doçura – memória da doçura – etecetera, etecetera, etecetera, até hoje.”
À medida que se desenrola a conversa, e desta primeira experiência sozinha a Mulher passa para a primeira experiência com um homem, instala-se a desconfiança de que esse primeiro homem terá sido o Homem, o seu interlocutor. Quando, após a descrição desse primeiro encontro sexual, o Homem lhe pergunta se permaneceram divinos, a Mulher responde: “Durante algum tempo. [...] Pelo menos, para além desse longínquo dia de Verão.” Este longínquo dia de Verão pode ligar-se à primeira frase do parágrafo introdutório. Se agora, no momento da acção, é “de novo, um Verão”, aquela ideia de repetição não estará a aludir a esse primeiro e longínquo encontro entre os dois?
O Homem pergunta: “E depois?”. A Mulher responde: “Casámo-nos e continuámos felizes e cada vez menos divinos, até ao fim dos nossos dias” e intensifica a desconfiança de que o Homem com quem fala tem um passado em comum consigo – quem sabe até um presente. Contudo, o relato de experiências sexuais da Mulher não se esgota nesse primeiro homem. Houve outros, ainda que tenham funcionado quase sempre como vingança. Não vingança contra um homem, ou contra os homens em geral, mas uma vingança íntima dirigida “contra um outro espírito, um espírito hostil, inimigo, que reinava, e que parece reinar ainda, sobre este mundo.”
É uma investigação sobre esta vingança, sobre as motivações e irracionalidades do amor e do sexo, que encontramos em todo o texto. Num diálogo que tem tanto de estranho e inverosímil como de poético, Handke guia o leitor (e o público, sendo um texto escrito para teatro) a um questionamento não tanto psicológico quanto sensorial.
Com todo o risco que há em fazer este tipo de afirmações sem ter visto a peça encenada, Os Belos Dias de Aranjuez parece ser um texto que não pode viver só no palco, que exige a leitura – mais do que uma, até, tal a amplitude de interpretações que permite. Em todo este jogo de personagens fora da realidade ou realidade fora das personagens, há neste diálogo estranho matéria que reconhecemos, que ecoa dentro de nós e que nos é transmitida com toda a beleza que exige.
Gonçalo Mira, Ípsilon | Público, 28 de Novembro de 2011
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
Cesariny – em casas como aquela | Duarte Belo, José Manuel dos Santos
Cesariny – em casas como aquela
Duarte Belo, José Manuel dos Santos
ISBN: 978-989-8566-82-9
Edição: Novembro 2014
Preço: 14,15 euros | PVP: 15 euros
Formato: 16,7x21 cm (brochado, com badanas)
Número de páginas: 88 (fotografias impressas em duotone)
[ Em colaboração com a Fundação EDP e com a Fundação Cupertino de Miranda ]
Este livro foi publicado com o apoio da Fundação EDP, por ocasião dos VIII Encontros de Mário Cesariny, realizados pela Fundação Cupertino de Miranda em Vila Nova de Famalicão, em Novembro de 2014. Reúne um conjunto de fotografias de Duarte Belo registadas na casa de Mário Cesariny, na Rua Basílio Teles, n.º 6 – 2.º dir., em Lisboa, no âmbito da atribuição do Grande Prémio EDP – Artes Plásticas, em 2002, e integrando o conjunto de iniciativas comissariadas por João Pinharanda que conduziram à realização da exposição retrospectiva, em 2004, no Museu da Cidade, em Lisboa.
Agora, olho estas fotografias (Cesariny gostava de dizer: lindas) de Duarte Belo e elas são a madalena do Proust que-ele-não-leu-porque-não-precisava e que me traz o tempo e os seus habitantes. Olho-as e digo com ele: “… a sombra dita a luz / não ilumina realmente os objectos / os objectos vivem às escuras / numa perpétua aurora surrealista / com a qual não podemos contactar / senão como os amantes / de olhos fechados / e lâmpadas nos dedos e na boca”.
Olho-as e vejo-me nelas como se tivesse acabado de chegar àquela casa que apenas foi inteiramente dele quando a rua lhe negou abrigo, susto e aventura. Nestas fotografias, a casa é uma colagem de objectos em êxtase, uma colecção de imagens em rotação, uma constelação de astros em fuga, uma sucessão de sinais sagrados. Aqui, Mário Cesariny é um rei no seu castelo de relâmpagos e raios.» [José Manuel dos Santos]
Duarte Belo nasceu em Lisboa (1968). Licenciado em Arquitectura (1991). Paralelamente à actividade inicial em Arquitectura, desenvolve projectos em Fotografia. Expõe individualmente desde 1989, tendo já participado em numerosas exposições individuais. Está representado em diversas colecções públicas e privadas, em Portugal e no estrangeiro. Já desenvolveu a actividade de docência e participa regularmente em seminários, congressos e mesas redondas.
Da obra publicada poderíamos destacar Orlando Ribeiro — Seguido de uma viagem breve à Serra da Estrela (1999); Ruy Belo — Coisas de Silêncio (2000); À Superfície do Tempo — Viagem à Amazónia (2002); Geografia do Caos (2005); Olívia e Joaquim – Doces de Santa Clara em Vila do Conde (2007); desenha, produz e fotografa as ilustrações do conto O Príncipe-Urso Doce de Laranja (2009). De uma obra documental extensa, centrada no levantamento fotográfico da paisagem e das formas de ocupação do território, são de destacar as obras Portugal — O Sabor da Terra (1997) e Portugal Património (2007-2008).
Cartas de Mário Cesariny para Cruzeiro Seixas
Cartas de Mário Cesariny para Cruzeiro Seixas
Mário Cesariny
Edição de Perfecto E. Cuadrado, António Gonçalves e Cristina Guerra
ISBN: 978-989-8566-83-6
Edição: Novembro 2014
Preço: 17,92 euros | PVP: 19 euros
Formato: 14,5x20,5 cm (brochado, com badanas)
Número de páginas: 320
[ Em colaboração com a Fundação Cupertino de Miranda ]
«Estas cartas de Mário Cesariny para Cruzeiro Seixas, que abrangem o longo período que vai de 07-08-1941 a 13-12-1975, pouco ou nada têm que ver com o género ou subgénero literário chamado “epistolografia”. Itinerário ou roteiro dalgumas das estações principais duma singular viagem interior, sim; confissões do lado de lá da barricada, também; e ainda mais: mão cheia de reflexões, iluminações, relâmpagos, faíscas que nos falam do amor consumado e fugidio e dos sucessivos objectos do desejo (com ou sem nomes dos parceiros ou destinatários), da poesia, de penas (capitais) e de prestidigitações (de manual); projectos de publicações e exposições no Reino da Dinamarca e noutras terras — franças, holandas, inglaterras… —, para conquistar e onde semear os sonhos e os incêndios; quadros e estórias da história da intervenção surrealista em Portugal e dalguns dos seus protagonistas; intersecções de bildungsroman e künstlerroman, cachoeiras líricas e charcos dramáticos que nunca chegaram a lagoas e acabaram travestidos também de artefactos poéticos; cantigas de amigo e de escárnio e maldizer (em prosa, naturalmente, como anunciava Nicolau Cansado Escritor); via sacra e feira popular, Mário no desenvolver-se e no despir-se do seu eu mais profundo e mais seu em diálogo com quem foi sempre — mesmo quando passaram a espreitar-se de longe — o seu eu mais próximo, Artur Manuel do Cruzeiro Seixas (camarada e amigo; depois aquele a quem Mário “toma os olhos e as mãos e […] beija devagarinho”), os dois às vezes fundidos e até confundidos num espaço onde brincavam amor e admiração; fragmentos, enfim, do plano do tesouro da geografia afectiva de Mário Cesariny.» [Perfecto E. Cuadrado]
«Queridíssimo Artur Manuel: A tua carta! A tua carta! A tua carta! Eu estava já assustado com o teu silêncio! Desculpa se te pareço ilógico: é que o meu silêncio para contigo, que mais de uma vez referiste magoadamente, perdoa, não é um silêncio, penso em ti todos os dias dos meses com muito amor, muita admiração e muito desespero, ou, se é silêncio, é, perdoa outra vez, parecer-te-á ridículo, um silêncio de trabalho, como se disse “chá de trabalho” quando as perspectivas terráqueas são o estoiro atómico e as personagens, ultrapassadas pelos acontecimentos, dão o resto, isto é, a hora do chá, que era para cruzar a perna e olhar pela janela. Nem perna, nem janela, nem nada. Nem silêncio. Sei que te devo, devemos, graves obrigações. Ou, se te parece pesado dito dessa maneira: que me impus duas ou três importantes tarefas, em relação a ti: uma, os teus poemas escritos; outra, o teu mundo infinito de desenhos, de pinturas, de objectos — o teu amor; outra — tudo isso e tu próprio — talvez o único de todos a quem pode chamar-se sem restrições O POETA. Outra: as tuas cartas! As cartas do rei Artur!» [Mário Cesariny, 12-03-1963]
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
NÃO – uma biografia do Ar.Co | Maria Antónia Oliveira
NÃO – uma biografia do Ar.Co
Maria Antónia Oliveira
ISBN: 978-989-8566-80-5
Edição: Novembro 2014
Preço: 14,15 euros | PVP: 15 euros
Formato: 14,5x20,5 cm (brochado, com badanas)
Número de páginas: 192
«O metro abrandava. Olhou pela janela: Socorro, estava a chegar. Saiu na estação seguinte, Rossio. Era Novembro. Os dias corriam chuvosos, ainda mornos. Aproveitou uma aberta e desceu a Rua dos Fanqueiros, alinhando o passo pelos beirais e toldos. A Baixa tinha o aspecto pobre e caótico dos dias de chuva. Por momentos pensou apanhar o eléctrico 28 para subir até à escola. Mas a chuva tinha parado; o vento húmido empurrava-a na direcção do rio. Virou para a Rua da Conceição e desistiu da ideia do eléctrico. Trepou o caminho molhado em direcção à Sé.
Como é que dizia ontem o director?… Que isto não é um curso, que é um percurso. Olha que bom… é melhor não dizer isto ao pai, senão lá me vem outra vez com a história do curso superior e das habilitações e mais a treta toda. Que chato. Ele não percebe mesmo que não quero nada disso.»
Maria Antónia Oliveira é autora de Alexandre O’Neill. Uma Biografia Literária (D. Quixote, 2007). Doutorou-se na FCSH da Universidade Nova de Lisboa com a tese Os Biógrafos de Camilo. Publicou artigos vários sobre biografia. Recebeu o Prémio Revelação Ensaio da APE/IPLL de 1990 com A Tristeza Contentinha de Alexandre O’Neill (Caminho, 1992). Vive em Lisboa.
O Ar.Co é uma escola de arte independente, fundada em 1973, que se dedica à experimentação, à formação e à divulgação das artes, “crafts” de autor e disciplinas da comunicação visual.
Alguns testemunhos:
«Entre Ar.Co e qualidade, a meu ver, existe uma relação de quase sinonímia. Basta ver o seu programa de estudos, o elenco dos seus professores e o êxito que têm obtido os que foram seus alunos.»
Ana Hatherly (artista plástica)
«Uma formação qualificada é um factor determinante de sucesso nas carreiras artísticas. O Ar.Co, além de ministrar uma formação técnica bem estruturada e integrada no nosso tempo, proporciona um ambiente criativo, estimulante e interventivo, integrando-se activamente no meio artístico nacional.»
Fernando Calhau [1948-2002] (artista plástico; ex-director do Instituto de Arte Contemporânea)
«... tenho muita pena de não ter sido aluno do Ar.Co...»
Julião Sarmento (artista plástico)
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