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Em meia hora a devastação já não pôde ser vencida pela duvidosa eficiência da equipagem; e metade das baleeiras tinha ardido. Quando o comandante Vicq ordenou a concentração em todos os barcos de salvamento disponíveis, havia mortos confirmados e desaparecidos. Se transcrevermos parte do discurso directo que em 14 de Janeiro de 1933 surgiu em L’Intransigeant, teremos uma versão dialogada da tragédia de Albert Londres. Alguém perguntou "onde estava Monsieur Londres", e salvadores improvisados gritaram: "Londres!" Ouviu-se a resposta: "Estou aqui!", e o vulto de Albert Londres surgir na varanda dos seus camarotes.
Houve incansáveis incitamentos:
"— Suba e venha juntar-se a nós!
"— Impossível — berrava ele. — Estou cercado pelo fogo. As duas extremidades do corredor dos meus camarotes estão a arder. O fogo aproxima-se.
"— Então salte! Os homens dos barcos vão buscá-lo à água."
(O Georges-Philippar tinha vários navios do tráfego do Mar Vermelho parados a distâncias mínimas de segurança e dispostos a participar no salvamento de pessoas caídas nas águas.)
"— Não vou saltar.
"— Não consegue?…
"— Consigo, mas não vou saltar."
Os que se tentavam a explicar esta recusa várias vezes repetida, admitiram as hipóteses de um bloqueamento psicológico, de Albert Londres não saber nadar, e mais romanticamente de o jornalista preferir a morte a não salvar com ele o material da sua "mais explosiva reportagem". O mesmo jornal registou o que teria sido seu último grito: "Estou a arder. Salvem-me!"
O Georges-Philippar afundou-se com Albert Londres, às 8 horas da manhã de 16 de Maio de 1932. O balanço da tragédia veio a fixar-se em 675 pessoas salvas, a parte favorável da notícia que teve de ser acrescentada com cerca de uma centena de mortos e desaparecidos.
Albert Londres — o nome célebre neste desastre — alimentou depois a surpresa, a consternação e a veia mórbida dos jornais.
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Aníbal Fernandes, in Apresentação de Albert Londres, Com os Loucos, Sistema Solar, 2012.