O Chancellor — (Diário do passageiro J.R. Kazallon)
Jules Verne
Tradução e apresentação de Aníbal Fernandes
Inclui vista geral e pormenores de A Jangada da Méduse, de Théodore Géricault
ISBN 978-989-8833-38-9 | EAN 9789898833389
Edição: Janeiro de 2019
Preço: 15,09 euros | PVP: 16 euros
Formato: 14,5 x 20,5 cm (brochado com badanas)
Número de páginas: 240 (caderno de 16 pp. a cores)
Verne ao seu editor: «Vou levar-lhe uma obra de um realismo assustador.»
Jules Verne, impressionado com a obra de Géricault resolveu inspirar-se na tragédia da Méduse para contar a história do seu Chancellor. Começou a escrever este romance em 1870, mas só em 1874 o publicou como folhetim em Le Temps. E tinha consciência do passo ao lado que ele representava na sua habitual maneira de estar na literatura. Como reagiriam os seus fiéis leitores, habituados e encantados com a sua imaginação visionária, a este huis clos escrito com um presente contínuo, que abandonava a história extraordinária no sentido que ele costumava dar-lhe e se concentrava no homem em luta pela sua sobrevivência num espaço exíguo, em circunstâncias que lhe despertavam a mais básica das selvajarias?
Numa carta que mandou ao editor Jules Hetzel fez este aviso: Vou levar-lhe uma obra de um realismo assustador. […] Não acho que a jangada da Méduse tenha dado origem a qualquer coisa assim tão terrível.
Jules Verne não tinha, neste ponto, razão. O número de pessoas obrigadas a comprimir-se na exígua superfície da jangada da Méduse, os tumultos e as carnificinas que foram matando sucessivamente os seus ocupantes, reduzindo-os desde o elevado número de mais de uma centena até dezasseis, as cenas de um desvairado canibalismo, nada têm de comparável com a relativa amenidade de convívio que ele imaginou para os dias da jangada d’O Chancellor.
E outras significativas diferenças separam os dois naufrágios: a Méduse descia o Atlântico desde a França até ao Senegal; O Chancellor saía dos Estados Unidos da América, atravessava o Atlântico em direcção à Inglaterra e, desviado da sua previsível rota, naufragava na América do Sul; a jangada da Méduse andou no mar doze dias até surgir um navio que recolheu os seus sobreviventes; a jangada d’O Chancellor teve cinquenta e dois dias de errância marítima, antes de chegar ao Amazonas; a avaria da Méduse foi provocada por uma má rota que a atirou para cima de um banco rochoso; a d’O Chancellor teve origem num desses incêndios sub-reptícios que minam pacientemente cereais ou algodão…
Era, pela certidão do baptismo, Jules Gabriel Verne [Nantes, 1828-Amiens, 1905]; e o seu pai, um magistrado de Nantes, desde os seus tempos de berço sonhava-o a brilhar na mesma profissão. Mas bastaram-lhe onze anos de vida e umas quantas e emocionantes leituras para fugir de casa levando consigo um desejo de mar e aventura (e a decisão, muito mais prática, de trazer um colar de coral para oferecer à sua prima Caroline, por quem estava apaixonado) tudo isto vivido — não mais lhe consentiria a idade — como grumete num barco-correio. Sobressaltado, M. Verne foi a tempo de capturá-lo em Paimbæuf, um pequeno porto do Loire-Atlântico. «Pois bem», prometeu a criança frustrada e ingloriamente retida nos seus altos voos, «só vou viajar em sonho». — Quem poderia prever que estas palavras, proferidas numa tão tenra idade, deviam ser tomadas à letra?
É verdade que Jules Verne, para satisfazer os desejos do seu pai chegou à Sorbonne e à licenciatura que poderia dar-lhe o sonhado futuro como magistrado; mas sobrepôs-se a toda esta sabedoria em Direito uma irresistível fascinação literária. De regresso a Nantes, e frustrado por ver a mulher que amava casada com outro homem, voltou para a capital. Parto porque fui desprezado, escreveu numa carta ao músico Aristide Heignard, mas todos verão de que matéria é feito o pobre rapaz a que chamam Jules Verne.
[...]
Esteve em Lisboa por duas vezes, em 1878 e em 1884.
A idade mais avançada deu-lhe diabetes, má visão e uma perna coxa que nunca se recompôs de um tiro de espingarda, saído em má hora das mãos de um sobrinho louco. Começou a escrever menos, e até a não escrever. Na minha idade as palavras fogem e as ideias já não entram, pode ler-se numa carta sua.
Morreu em 1905, derrotado por diabetes e cegueira.
O século XX fez dele um clássico; tirou algumas das suas obras da esfera adolescente para acompanhar a de grandes clássicos centrais. Michel Butor é peremptório: «Temos de colocar a sua obra nos grandes conjuntos de romances do século XIX.» E Roland Barthes dedicou-lhe todo um capítulo do seu Mythologies, onde compreende o lado-cárcere dos seus grandes espaços: «A imaginação da viagem corresponde em Verne a uma exploração da clausura. […] O barco pode muito bem ser o símbolo da partida; mas é profundamente a cifra da clausura.» […] «O navio é um facto habitacional, antes de ser um meio de transporte.»
Nenhum outro dos seus livros leva mais à letra estas palavras do que o seu Chancellor.
[Aníbal Fernandes]
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