Joaquim M. Palma quis reencontrar as culturas ancestrais nos confins da fronteira entre Portugal e Espanha. E falar-nos da beleza e abandono que atingem esses territórios remotos e as suas gentes.
“No
cruzamento para Avelanoso, a paragem de autocarros tem uma lareira em pedra no
seu interior, e com sinais de estar a ser utilizada. O bem-estar de quem
aguarda por transporte, nestas terras gélidas, mereceu alguma consideração por
parte de quem decide sobre a arquitectura destes equipamentos sociais.”
Desta
e doutras observações atentas é feito este “Doze Fronteiras – A raia
luso-espanhola percorrida em toda a sua extensão”, de Joaquim M. Palma, editado
pela Documenta, uma chancela da Sistema Solar, que inclui umas belíssimas
fotografias a preto e branco, reproduzidas com uma qualidade que é rara neste
género de publicações em Portugal.
Realidades
humanas e paisagísticas emudecedoras existentes nos confins dos dois países
ibéricos, culturas ancestrais remotas engolidas pelos buracos negros da
desolação e abandono numa galáxia rural já nos umbrais do não-retorno, beleza
intemporal frágil, marcas predatórias ferozes – eis algumas das faces de uma
geografia precária e em fuga encontrada durante uma sentida viagem ao longo da
fronteira entre Portugal e Espanha.
Ecoando
na esteira de todos os passos do viajante fronteiriço, um verso do poeta José
Tolentino Mendonça: “Não ames viagens que reduzam a estranheza”. E estranheza
houve. Ou não fosse a linha de fronteira ela própria já uma coisa estranha.
Este
relato de viagens, sem ambições de ser guia turístico nem sequer estudo
sociológico ou etnográfico, é a reprodução de um simples caderno de viagem
redigido sem pretensões de convencer quem quer que seja e cujos conteúdos
surgiram da interação do olhar com o coração e da predisposição de um ser
humano para ir à procura do genuíno, onde o belo (e o feio) têm sempre algo a
dizer.
Os
registos, por separado e por junto, nada exigem e nada prometem; são a folha
caída de uma árvore que não está perto e que o vento trouxe inesperadamente –
uns dão por ela, pegam-lhe, olham-na com curiosidade, e vão à procura da árvore,
outros não. Para os mais curiosos, esses que pegam na folha e a olham,
informa-se que Avelanoso, por onde passa a estrada 218-2, fica um pouco a sul
de Campo de Víboras, a meio caminho entre Macedo de Cavaleiros e Miranda do
Douro, em Trás-os-Montes.
Joaquim
M. Palma nasceu em 1952, em Vila Viçosa, e foi professor do ensino primário
durante 32 anos. A sua escrita, sobre a beleza e o abandono que atingem pessoas
e territórios remotos, encontra eco em autores como Duarte Belo ou o espanhol
Sergio del Molino.
Palavra de Viajante, Jornal
Económico, 5 de Dezembro de 2020
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