segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Livro: “Doze fronteiras”

Joaquim M. Palma quis reencontrar as culturas ancestrais nos confins da fronteira entre Portugal e Espanha. E falar-nos da beleza e abandono que atingem esses territórios remotos e as suas gentes.


“No cruzamento para Avelanoso, a paragem de autocarros tem uma lareira em pedra no seu interior, e com sinais de estar a ser utilizada. O bem-estar de quem aguarda por transporte, nestas terras gélidas, mereceu alguma consideração por parte de quem decide sobre a arquitectura destes equipamentos sociais.”

Desta e doutras observações atentas é feito este “Doze Fronteiras – A raia luso-espanhola percorrida em toda a sua extensão”, de Joaquim M. Palma, editado pela Documenta, uma chancela da Sistema Solar, que inclui umas belíssimas fotografias a preto e branco, reproduzidas com uma qualidade que é rara neste género de publicações em Portugal.

Realidades humanas e paisagísticas emudecedoras existentes nos confins dos dois países ibéricos, culturas ancestrais remotas engolidas pelos buracos negros da desolação e abandono numa galáxia rural já nos umbrais do não-retorno, beleza intemporal frágil, marcas predatórias ferozes – eis algumas das faces de uma geografia precária e em fuga encontrada durante uma sentida viagem ao longo da fronteira entre Portugal e Espanha.

Ecoando na esteira de todos os passos do viajante fronteiriço, um verso do poeta José Tolentino Mendonça: “Não ames viagens que reduzam a estranheza”. E estranheza houve. Ou não fosse a linha de fronteira ela própria já uma coisa estranha.

Este relato de viagens, sem ambições de ser guia turístico nem sequer estudo sociológico ou etnográfico, é a reprodução de um simples caderno de viagem redigido sem pretensões de convencer quem quer que seja e cujos conteúdos surgiram da interação do olhar com o coração e da predisposição de um ser humano para ir à procura do genuíno, onde o belo (e o feio) têm sempre algo a dizer.
Os registos, por separado e por junto, nada exigem e nada prometem; são a folha caída de uma árvore que não está perto e que o vento trouxe inesperadamente – uns dão por ela, pegam-lhe, olham-na com curiosidade, e vão à procura da árvore, outros não. Para os mais curiosos, esses que pegam na folha e a olham, informa-se que Avelanoso, por onde passa a estrada 218-2, fica um pouco a sul de Campo de Víboras, a meio caminho entre Macedo de Cavaleiros e Miranda do Douro, em Trás-os-Montes.

Joaquim M. Palma nasceu em 1952, em Vila Viçosa, e foi professor do ensino primário durante 32 anos. A sua escrita, sobre a beleza e o abandono que atingem pessoas e territórios remotos, encontra eco em autores como Duarte Belo ou o espanhol Sergio del Molino.

Palavra de Viajante, Jornal Económico, 5 de Dezembro de 2020

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