Emanuele Coccia: «A arte, nas mãos de Branco, torna-se o Atlas do novo mundo: um meio para nos orientarmos dentro dos sonhos que as espécies têm entre si.»
Toda a nossa realidade experimentada é atravessada por uma cisão original. Não se trata de uma divisão conceptual, mas sim de uma estrutura física e arquitectónica que atribuímos ao espaço, continuamente e sempre que nele nos estabelecemos. Assim que chegamos a um local, separamos a urbe — o espaço que ocupamos, nós, os humanos, composto por vida semelhante à nossa e feito de pedra e de metais, e a floresta, — do latim foris, lá fora, o exterior, onde na nossa imaginação vive tudo o que não partilha as nossas formas e costumes. Esta divisão está na origem de todas as outras: entre a cultura e a natureza, entre a civilização e a barbárie, entre a linguagem ou a razão e a irracionalidade, e se não conseguirmos libertar-nos dela não seremos capazes de ultrapassar todas as outras.
A obra de Miguel Branco é uma das mais poéticas e radicais reflexões acerca de um mundo liberto desta divisão, algo difícil de atingir.
[Emanuele Coccia]
[…] o trabalho de Miguel Branco, recuperando para a sua concretização imagens encontradas em obras esquecidas de artistas ditos menores — que permaneceram num limbo de obscuridade relativamente aos cultores da grande forma, como sejam os vários miniaturistas e animalistas dos séculos XVII e XVIII — caminha, de vários modos, para o domínio do que poderemos designar como o campo de uma arte pós-conceptual. Aquela que, inscrevendo embora as lições trazidas e observadas pelos modelos conceptuais anteriores, se afasta no entanto destes para cingir outra realidade que, muito mais do que a de procurar uma relação com a linguagem se situa antes, e propriamente, nesse plano abertamente novo (e em si mesmo ainda inapreensível) que é o de uma pura relação com a imagem.
[Bernardo Pinto de Almeida]
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