Carmen seguido de Lokis
Prosper Mérimée
Dois pontos altos nas novelas de Mérimée. «Carmen», a oportunidade de uma dissertação sobre o mundo dos ciganos ibéricos. «Lokis», um fantástico de escabroso subentendido que recupera e transtorna uma lenda da tradição eslava.
Um livro onde Carmen e Lokis surgem reunidos pode não ser mais do que a associação de dois pontos altos na série de contos e curtas novelas que se fizeram o essencial na obra literária de Prosper Mérimée; mas reúne, além disto, duas histórias--pretexto; ou seja, em Carmen a oportunidade de uma dissertação sobre o mundo e os hábitos dos ciganos ibéricos; em Lokis um fantástico de escabroso subentendido que recupera e transtorna uma lenda da tradição eslava, aqui deslocada até à Lituânia como pretexto para uma reflexão sobre a estranha língua samogítica que Mérimée designa no texto com a forma popular jmud.
Mérimée nasceu em Paris no mês de Setembro do ano 1803; o seu pai, pintor de quadros banais, tinha o curioso nome de Léonor Mérimée; a sua mãe anglófila, culta e autoritária, dominou o filho com uma possessiva relação edipiana e durante toda a vida incitou-o à prudência de um celibato que ele temperou com relações cuidadosamente desviadas da vigilância materna. «Não podes confiar nas mulheres» — dizia ela, cautelosa ao ponto de mandar gravar-lhe num anel uma variante mais vaga do mesmo conselho: «Lembra-te de que deves desconfiar», uma frase que surgia no aro de ouro em minúsculas letras gregas e se reduzia, na gramática pessoal de Madame Mérimée, aos perigos de convivências mais íntimas com o elemento feminino.
[…]
Mérimée, um dos românticos mais corajosos e marcantes da sua geração, teve de J. Barbey d’Aurevilly esta curiosa frase: «Talento brilhante e negro como a Espanha que ele pintou, e com um refinamento que chega à malvadez. Há Goya em Mérimée.»
[Aníbal Fernandes]
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