quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Demandas de Manchas


Demandas de Manchas
Carlos Corais

Texto de Pedro Proença
Fotografia de Pedro Lobo
Design de André Cruz

ISBN 978-989-8833-97-6 | EAN 9789898833976

Edição: Junho de 2022
Preço: 18,87 euros | PVP: 20 euros
Formato: 21 × 26,6 cm (encadernado)
Número de páginas: 56 (a cores)

«Os instantes podem aí retomar o passado e também ir buscar o futuro antes que ele aconteça.»
Jorge Molder
 
Talvez tudo tenha começado de um modo estival nas bainhas do paraíso, com a imprecisão e o disforme a quererem sair do tubo e virar figuras. Havia uma caixa e a cor começava a derreter no gelado — é daqui que tudo partiu, diz-nos Carlos Corais, como se a infância ressurgisse de um lastro ao qual se quer regressar em tonalidades que buscam fixar-se num plano de tons equilibrados. Não era a linha que fazia nascer as coisas, era a mancha, a afiançar, como escreveu Adorno, que era o Novo, o Isso, a desassossegar, ainda sem rosto, com riso a alastrar embora discreto, e no olhar, luminescência miúda a afinar a escuridade. Que coisas nos queria confessar? Porque no fundo o discurso já habitava a mancha que só tinha de buscar planos, no labor de enquadrar, para não continuar por aí a esvair-se, a desaparecer do olhar, a ser secundária ante a deambulação fatal das linhas — quer-se aqui uma certa quietude inquietante.
Entre a mancha e a figura alguma coisa se passa, balbuciou o génio que queria habitar tudo isto. Era uma criatura que talvez possuísse o autor — figura a levar palavras ao forno, para que sejam bem cozidas. Não se limitava a ser amável, dado que tinha muitíssimo para contar, por exemplo, viagens, conquistas, dificuldades, formas de evasão, de explicação, de expiação. Para o génio, a solidão entre as casas comunicava a humanidade do escuro, quando a insónia teima e a cidade parece articulada pela solidariedade entre insónias, pela actividade acanhada dos que não estão a amanhar o impartilhável dos sonhos. Há muitas criaturas nocturnas que produzem ruídos que as crianças temem como gargarejos, sons aquáticos, e que correspondem a figuras muito antigas, como as Górgonas, o homem do saco, os papões. Algumas são figuras de morte, outras de puro delírio, outras ainda são inquietações brandas ou sarcásticas. Está ali alguém? Onde está o antídoto materno que estanca os medos? Ou são vindas sucessivas que chegam e não chegam? Vens então como amigo? — pergunta Carlos Corais, qual hóspede que quer que lhe habitemos a amabilidade. Imagens que interrogam para acolher, sem impor, sem exibirem escândalos ou dissimulações.
[Pedro Proença]

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