quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Herança

Herança 
Ana Vidigal, Nuno Nunes-Ferreira 

Textos de Emília Ferreira, Irene Flunser Pimentel e Raphael Fonseca 
Design gráfico de Madalena Vidigal 

ISBN 978-989-9006-89-8 | EAN 9789899006898 

Edição: Maio de 2021 
Preço: 14,15 euros | PVP: 15 euros 
Formato: 16,5 × 20 cm (brochado) 
Número de páginas: 128 (a cores) 

Com o Museu Nacional de Arte Contemporânea 

Edição bilingue: português-inglês 

No dia 25 de julho de 2020, em plena instabilidade da pandemia da Covid-19, uma tragédia ocorreu na Avenida de Moscavide, em Lisboa. 



Bruno Candé, um homem negro de 39 anos de origem guineense e que exercia a profissão de ator foi assassinado por Evaristo Carreira Marinho, um homem branco português de 76 anos que é auxiliar de enfermagem reformado. O crime se deu alguns dias após ambos terem uma discussão que terminou com xingamentos racistas. Segundo a reconstituição do Ministério Público, frases como «Vai para a tua terra, preto!» e «Tens toda a família na senzala e devias também lá estar!» foram proferidas e seu racismo incitou o crime de ódio planejado e consumado três dias depois. 
[…] 
Ana Vidigal e Nuno Nunes-Ferreira, os dois artistas que ocupam as salas do Museu de Arte Contemporânea na presente exposição, também podem ser considerados herdeiros — mas de espólios diversos deste episódio trágico. Ambos os artistas são filhos de homens recrutados para esta guerra entre o desejo de permanência da colônia e a independência de diversos países em África. Sessenta anos após o seu início, os diversos nomes que a escrita histórica deu a esse momento parecem — mas não conseguem — se sobrepor às diversas micro-histórias das quais eles são personagens. Quando crianças, escutavam histórias sobre os conflitos, viam fotografias tiradas por seus pais e tinham experiências do tempo muito diversas — se Ana Vidigal esperou por anos até o retorno de seu pai à casa, Nuno Nunes-Ferreira vivenciou os anos da guerra sempre no passado. Ela sentiu a espera fisicamente ao passo que crescia; ele se pôs a imaginar o que teriam sido aqueles anos pelos jornais e fotografias. O pai dela esteve no território hoje chamado por Guiné-Bissau; o pai de Nuno, em Angola. Além de suas diversas formas de presenciar os traumas da guerra — ela com o presente, ele com o passado —, ambos os artistas são de distintas gerações e experimentam a visualidade de formas contrastantes. Tenho a impressão de que o conjunto de seus trabalhos presentes nessa exposição traz ao público visões existenciais e pesquisas artísticas que se complementam principalmente pelas diferenças. 
[…] 
O que esta exposição propõe é um exercício intimista de rememoração, reflexão e fissura em pequenas histórias que compõem o quebra-cabeça de um todo extremamente complexo onde processos de racismo estrutural foram solidificados ao passo que uma geração de recrutados portugueses sofreu traumas insuperáveis. Deste modo, cada artista à sua maneira, traz à tona que, sim, o racismo foi e é um dado essencial da cultura portuguesa. 
[Raphael Fonseca]

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