Herança
Ana Vidigal, Nuno Nunes-Ferreira
Textos de Emília Ferreira, Irene Flunser Pimentel e Raphael Fonseca
Design gráfico de Madalena Vidigal
ISBN 978-989-9006-89-8 | EAN 9789899006898
Edição: Maio de 2021
Preço: 14,15 euros | PVP: 15 euros
Formato: 16,5 × 20 cm (brochado)
Número de páginas: 128 (a cores)
Com o Museu Nacional de Arte Contemporânea
Edição bilingue: português-inglês
No dia 25 de julho de 2020, em plena instabilidade da pandemia da
Covid-19, uma tragédia ocorreu na Avenida de Moscavide, em Lisboa.
Bruno Candé, um homem negro de 39 anos de origem guineense e que exercia a profissão de ator foi assassinado por
Evaristo Carreira Marinho, um homem branco português de 76 anos que é auxiliar de enfermagem reformado. O crime se
deu alguns dias após ambos terem uma discussão que terminou com xingamentos racistas. Segundo a reconstituição do
Ministério Público, frases como «Vai para a tua terra, preto!» e «Tens toda a família na senzala e devias também lá estar!»
foram proferidas e seu racismo incitou o crime de ódio planejado e consumado três dias depois.
[…]
Ana Vidigal e Nuno Nunes-Ferreira, os dois artistas que ocupam as salas do Museu de Arte Contemporânea na presente
exposição, também podem ser considerados herdeiros — mas de espólios diversos deste episódio trágico. Ambos os artistas
são filhos de homens recrutados para esta guerra entre o desejo de permanência da colônia e a independência de diversos
países em África. Sessenta anos após o seu início, os diversos nomes que a escrita histórica deu a esse momento parecem —
mas não conseguem — se sobrepor às diversas micro-histórias das quais eles são personagens. Quando crianças, escutavam
histórias sobre os conflitos, viam fotografias tiradas por seus pais e tinham experiências do tempo muito diversas — se Ana
Vidigal esperou por anos até o retorno de seu pai à casa, Nuno Nunes-Ferreira vivenciou os anos da guerra sempre no passado.
Ela sentiu a espera fisicamente ao passo que crescia; ele se pôs a imaginar o que teriam sido aqueles anos pelos jornais e fotografias. O pai dela esteve no território hoje chamado por Guiné-Bissau; o pai de Nuno, em Angola.
Além de suas diversas formas de presenciar os traumas da guerra — ela com o presente, ele com o passado —, ambos os
artistas são de distintas gerações e experimentam a visualidade de
formas contrastantes. Tenho a impressão de que o conjunto de
seus trabalhos presentes nessa exposição traz ao público visões
existenciais e pesquisas artísticas que se complementam principalmente pelas diferenças.
[…]
O que esta exposição propõe é um exercício intimista de
rememoração, reflexão e fissura em pequenas histórias que compõem o quebra-cabeça de um todo extremamente complexo
onde processos de racismo estrutural foram solidificados ao passo
que uma geração de recrutados portugueses sofreu traumas insuperáveis. Deste modo, cada artista à sua maneira, traz à tona que,
sim, o racismo foi e é um dado essencial da cultura portuguesa.
[Raphael Fonseca]
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