quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Antropologia da Moda

Antropologia da Moda 
Filomena Silvano 


ISBN 978-989-9006-97-3 | EAN 9789899006973 

Edição: Agosto de 2021 
Preço: 14,15 euros | PVP: 15 euros 
Formato: 14,5 × 20,5 cm (brochado, com badanas) 
Número de páginas: 192

Foi preciso que chegasse o recolhimento a que a pandemia nos forçou para que a minha relação com a moda se passasse a organizar numa nova modalidade, mais distanciada e mais centrada nos textos e nos arquivos. 



Em dez anos a cidade mudou. Nas ruas, no metro, nas escolas ou nas discotecas cruzamo-nos com pessoas que são diferentes. Para sermos mais precisos, cruzamo-nos com pessoas que usaram a liberdade que as cidades sempre concedem para produzirem corpos e imagens diversificados. São histórias de amor próprio. Tal como são de amor as histórias que os criadores portugueses viveram durante os dez anos de produção da ModaLisboa. Por vezes essas histórias cruzaram-se. As colecções dos criadores propuseram regras de composição possíveis, programas que foram utilizados para compor e repor as imagens de nós próprios. 
Escrevi este pequeno texto, em 2001, para integrar a exposição comemorativa dos 10 anos da ModaLisboa, que nesse ano decorria sob o leitmotiv «Pashion». Desde a década de 1990 que a moda, o vestir, as cidades e os processos de criação das identidades me interessaram, e, por isso, ao longo dos anos, sempre que foi oportuno, escrevi sobre o assunto. Em 2017, decidi iniciar uma abordagem mais etnográfica e comecei uma pesquisa de terreno no atelier do designer Filipe Faísca. Já num quadro de pesquisa académica, em 2019, organizei, em parceria com Solange Riva Mezabarba, um dossier intitulado «Moda: cultura material, modos de vestire dese apresentar», publicado na revista Cadernos de Arte e Antropologia. A ideia de escrever este livro surgiu-me no fim desse trabalho conjunto, mas foi preciso que chegasse o recolhimento a que a pandemia nos forçou para que a minha relação com a moda se passasse a organizar numa nova modalidade, mais distanciada e mais centrada nos textos e nos arquivos. 
[…] 
Num primeiro momento, este livro trata de quatro questões que foram identificadas logo nos primeiros textos escritos sobre a moda: o tempo enquanto contemporaneidade; a construção sistemática do novo; a oposição entre costume e moda; e a articulação entre imitação e distinção. De seguida, faz um parêntese para apresentar a noção antropológica de vestir, que, por ser construída a partir de uma perspectiva universal, liberta os estudos de moda de concepções demasiado ocidentalistas. Segue com uma apresentação de grandes temáticas — os percursos sociais das coisas, os seus trânsitos culturais, os sentidos das roupas, os corpos e os adornos, as identidades e o luxo. O livro termina com os impactos de algumas lutas cívicas e, no último ano, da pandemia nas dinâmicas da moda. 
[Filomena Silvano]

Hugo Canoilas: A Exposição como Parcela de Tempo — Conversas com Sara Antónia Matos e Pedro Faro

Hugo Canoilas: A Exposição como Parcela de Tempo 
Conversas com Sara Antónia Matos e Pedro Faro 
Hugo Canoilas, Pedro Faro, Sara Antónia Matos 

ISBN 978-989-9006-93-5 | EAN 9789899006935 

Edição: Dezembro de 2020 
Preço: 11,32 euros | PVP: 12 euros 
Formato: 12 × 17 cm (brochado) 
Número de páginas: 192 

Com o Atelier-Museu Júlio Pomar

«Adoro vir [a Portugal], sabendo que vou regressar a Viena, percebem? Não sei se estou preparado para viver aqui outra vez. Começo a sentir-me um pária. Significa que não sou de nenhum dos lados exclusivamente. Vou aos lugares onde faço exposições e projetos. Nos últimos dois anos, contudo, tenho vindo mais a Portugal por questões de trabalho.» 
[Hugo Canoilas] 



As conversas com Hugo Canoilas pretendiam dar a conhecer o percurso de um artista de uma geração e com uma experiência diferente da dos anteriores entrevistados. Formado na ESAD (Caldas da Rainha) e assistente de Pedro Cabrita Reis — «escola» que certamente lhe trouxe uma experiência e uma confiança inigualáveis —, o artista decide sair de Portugal em 2003 e virar o rumo do seu trabalho. Esse momento, como o mesmo refere, constituiu uma espécie de arranque «falhado» no aspeto da subsistência, o qual lhe podia ter custado não a sua vida, mas o espírito. 
Volvida essa página e os diferentes momentos difíceis, como o nascimento da sua filha, a mudança de galeria, a apresentação de uma nova linguagem — figurativa — a qual foi mal recebida pelo meio artístico, que dele tinha ideias feitas e criou certas expectativas, o artista resiste e fala-nos com frontalidade, sem pudores ou receios, o que pensa do sistema da arte. 
Nesta conversa, Hugo Canoilas chama a atenção para a ausência de partilha e diálogo entre pares e profissionais, apontando vícios estruturais do sistema e a necessidade de libertação das convenções. Terá sido esse o maior motivo para a sua partida: um alargamento de horizontes e possibilidades, em simultâneo, com a necessidade de não ter de corresponder ao esperado por uma comunidade e um consenso instalados. Isso ficou patente nas conversas que se foram tendo, em que o mesmo revela, sem a certeza de poder divulgar publicamente o gesto de destruição de toda a obra realizada antes dessa viragem, com o propósito de não carregar sobre si, sobre as suas costas, uma força opressora, coerciva e limitativa. 
Sobre o projeto no próprio Atelier-Museu, sobre a sua faceta antropofágica, isto é, de amante e devorador do mundo, é reveladora a sua insistência em ver transformada a exposição a apresentar ao público no decorrer do tempo. 
É nesse momento que se torna claro que, para o artista, é vital algo que também era para Júlio Pomar: o movimento e a transformação, o risco e a mudança que lhe estão inerentes. Essa faceta, essa energia contagiante e «canibalística» também Hugo Canoilas reconhece a Pomar e certamente teria feito, de um encontro entre os dois, surtir centelha, clarão, vivacidade, faísca. 
[Sara Antónia Matos]

Arenario

Arenario 
Francisco Tropa 

Textos de François Piron, Maria Filomena Molder e Nuno Crespo 

ISBN 978-989-9006-73-7 | EAN 9789899006737 

Edição: Março de 2021 
Preço: 16,98 euros | PVP: 18 euros 
Formato: 16,5 × 24 cm (encadernado) 
Número de páginas: 216 (a cores) 

Com a Universidade Católica, Escola das Artes, CITAR 

Edição trilingue: português, inglês, francês

«A obra de arte cria uma imagem intemporal formada através dos sentidos, da inteligência e da memória do observador e, por mais estranho que pareça, este processo nada tem que ver com os instrumentos da comunicação.» 
[Francisco Tropa] 



Por mais que tentemos, o trabalho de Francisco Tropa (n. Lisboa, 1968) não se deixa apresentar através da sua condução a um conjunto determinado de gestos, objectos ou conceitos. A sua natureza é ser um campo amplo onde se conjugam diferentes experiências humanas. Uma arena, um «arenario» como lhe chama o artista, um espaço aberto onde se dá um corpo-a-corpo (real e virtual) entre o humano e a arte e que é palco do mistério — cujo drama se desenvolve pelo menos desde Lascaux — que se constitui de cada vez que um de nós enfrenta uma obra de arte e é por ela enfrentado. 
A exposição que esteve na origem deste livro propôs, a partir de uma única obra, explorar o trabalho deste artista segundo a ideia das imagens, da sua fabricação e da sua existência enquanto lugares reais. A obra pertence à família das lanternas de Tropa e nessa família são convocadas ideias axiais para o mundo contemporâneo. Um mundo tomado pelas imagens digitais que transportam no seu interior, e como sua condição, dispositivos de controlo, de subjugação e de poder. 
As imagens quase primitivas que Tropa faz acontecer — e as suas imagens são sempre uma espécie de acontecimento — reenviam insistentemente ao corpo humano e inscrevem-se no seu plano material de finitude. Plano este do qual as imagens virtuais, puramente espectrais e desencarnadas, parecem estar arredadas. 
[Nuno Crespo] 

Assinalem-se três aspectos eminentes da obra de Francisco Tropa e que se revêem nestas passagens benjaminianas. 
Primeiro: é seu propósito manifesto e latente apagar os vestígios de qualquer autoria e dificultar qualquer felicidade interpretativa imediata (embora não a possa impedir, claro). 
Segundo: também ele procura «um aparecer purificado da beleza, livre de qualquer sedução», também ele o sabe sujeito à dissolução sem fim. O lusco-fusco, a hora entre cão e lobo, a luz do ocaso reinam nesse teatro abandonado do mundo, Scenario ou outro título, com as «suas ruínas decifradas», sem intérprete. 
Terceiro: a arte é uma interrupção da dissolução sem fim, uma forma insubmissa de delírio, capaz de imortalizar a ruína. 
[Maria Filomena Molder]

Herança

Herança 
Ana Vidigal, Nuno Nunes-Ferreira 

Textos de Emília Ferreira, Irene Flunser Pimentel e Raphael Fonseca 
Design gráfico de Madalena Vidigal 

ISBN 978-989-9006-89-8 | EAN 9789899006898 

Edição: Maio de 2021 
Preço: 14,15 euros | PVP: 15 euros 
Formato: 16,5 × 20 cm (brochado) 
Número de páginas: 128 (a cores) 

Com o Museu Nacional de Arte Contemporânea 

Edição bilingue: português-inglês 

No dia 25 de julho de 2020, em plena instabilidade da pandemia da Covid-19, uma tragédia ocorreu na Avenida de Moscavide, em Lisboa. 



Bruno Candé, um homem negro de 39 anos de origem guineense e que exercia a profissão de ator foi assassinado por Evaristo Carreira Marinho, um homem branco português de 76 anos que é auxiliar de enfermagem reformado. O crime se deu alguns dias após ambos terem uma discussão que terminou com xingamentos racistas. Segundo a reconstituição do Ministério Público, frases como «Vai para a tua terra, preto!» e «Tens toda a família na senzala e devias também lá estar!» foram proferidas e seu racismo incitou o crime de ódio planejado e consumado três dias depois. 
[…] 
Ana Vidigal e Nuno Nunes-Ferreira, os dois artistas que ocupam as salas do Museu de Arte Contemporânea na presente exposição, também podem ser considerados herdeiros — mas de espólios diversos deste episódio trágico. Ambos os artistas são filhos de homens recrutados para esta guerra entre o desejo de permanência da colônia e a independência de diversos países em África. Sessenta anos após o seu início, os diversos nomes que a escrita histórica deu a esse momento parecem — mas não conseguem — se sobrepor às diversas micro-histórias das quais eles são personagens. Quando crianças, escutavam histórias sobre os conflitos, viam fotografias tiradas por seus pais e tinham experiências do tempo muito diversas — se Ana Vidigal esperou por anos até o retorno de seu pai à casa, Nuno Nunes-Ferreira vivenciou os anos da guerra sempre no passado. Ela sentiu a espera fisicamente ao passo que crescia; ele se pôs a imaginar o que teriam sido aqueles anos pelos jornais e fotografias. O pai dela esteve no território hoje chamado por Guiné-Bissau; o pai de Nuno, em Angola. Além de suas diversas formas de presenciar os traumas da guerra — ela com o presente, ele com o passado —, ambos os artistas são de distintas gerações e experimentam a visualidade de formas contrastantes. Tenho a impressão de que o conjunto de seus trabalhos presentes nessa exposição traz ao público visões existenciais e pesquisas artísticas que se complementam principalmente pelas diferenças. 
[…] 
O que esta exposição propõe é um exercício intimista de rememoração, reflexão e fissura em pequenas histórias que compõem o quebra-cabeça de um todo extremamente complexo onde processos de racismo estrutural foram solidificados ao passo que uma geração de recrutados portugueses sofreu traumas insuperáveis. Deste modo, cada artista à sua maneira, traz à tona que, sim, o racismo foi e é um dado essencial da cultura portuguesa. 
[Raphael Fonseca]

José Barrias: Escrever com a Luz – Notas para a Biografia de Uma Sombra

José Barrias: Escrever com a Luz – Notas para a Biografia de Uma Sombra 
José Barrias 

Organização de Paula Pinto. 
Textos de António Guerreiro, Elisabetta Longari, João Pinharanda, José Luís Porfírio, 
Maria Filomena Molder, Paula Pinto e Vítor Silva. 
Design gráfico de Ricardo Assis 

ISBN 978-989-9006-39-3 | EAN 9789899006393 

Edição: Agosto de 2021 
Preço: 23,58 euros | PVP: 25 euros 
Formato: 17 × 22 cm (brochado) 
Número de páginas: 180 (a cores) 
Apoio: Fundação Ilídio Pinho, Fundação Carmona e Costa e Fundação EDP 

Edição bilingue: português-italiano

A sombra de José Barrias é errante e não encerra em si um significado preciso e fechado. É a capacidade de mutação transitiva desta imagem que entendemos assinalar nesta exposição, configurada como viagem de um artista que se autodefine como um «habitante dos intervalos». 



A exposição [«José Barrias. Escrever com a Luz: Notas para a Biografia de uma Sombra», realizada no CAAA – Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (Guimarães) entre 1 de Novembro e 28 de Dezembro de 2019, com curadoria de Paula Parente Pinto e o contributo de Vítor Silva] observa as viagens e metamorfoses de uma imagem fotográfica de pequeno formato — O Princípio da Sombra — captada por José Barrias na Alemanha, em 1970. Como uma razão em trânsito que passa através da obra do artista, esta projecção de um corpo em movimento reaparece noutros suportes e formatos. Manifesta-se numa pluralidade de existências: em documentos, em vestígios ou em trabalhos acabados; uma mesma referência visual tomando novas condições materiais. O entendimento sobre a arte e o método de trabalho de José Barrias espelham-se nesta mutação cumulativa das sombras, que acaba por assumir os contornos de um percurso biográfico. 
É este o enredo de «Notas para a Biografia de uma Sombra»: uma exposição que, a partir de uma imagem fotográfica única e irrepetível — o auto-retrato de José Barrias enquanto sombra — reflecte um processo de migração em aberto através da reprodução. Em paralelo com a forma como o autor reapresenta outras figuras-referências no seu trabalho artístico, a sombra literalmente incorpora uma relação dialéctica entre presença e ausência que define a itinerância do percurso biográfico de José Barrias. 
[…] 
Contrariamente às silhuetas, aos retratos em perfil evocados por Plínio o Velho como a origem da representação artística ocidental, esta sombra não invoca os traços fisionómicos característicos de José Barrias nem é o contorno de um perfil. Barrias possui na sua obra uma dessas silhouettes, executada durante uma viagem familiar a Paris, mas O Princípio da Sombra é seguramente uma figura mais determinada pela reflexão do que pelo recorte físico. A relação frontal da sombra é consigo próprio, com o seu espaço e tempo, mas ganha novas razões de ser na comunidade de imagens que a acompanha. 
[Paula Pinto]

Conversazioni con José — Conversas com José


Conversazioni con José — Conversas com José 
José Barrias, Simona Venturino 

Conversas com José Barrias, elaboradas por Simona Venturino 
Traduzidas para português por Maria José Lancastre 
Acervo iconográfico ao cuidado de Elisabetta Longari 

ISBN 978-88-86748-13-1 | EAN 9788886748131 

Publicação: Colpo di Fulmine Edizioni 
Edição: Maio de 2021 
Preço: 23,58 euros | PVP: 25 euros 
Formato: 15 × 21 cm (encadernado) 
Número de páginas: 96 (a cores) 
Edição bilingue: italiano-português

Seja onde estiver, aqui ou lá, serei sempre um estrangeiro, ou seja, o habitante de um espaço situado entre duas terras que não me podem pertencer inteiramente. 



O olhar gera pensamentos e os pensamentos geram imagens? 
Sim, há uma interconexão na minha maneira de trabalhar. Por um lado, o pensamento narra-se por imagens e as imagens, por sua vez, suscitam outros pensamentos, como acontece na banda desenhada, em que a palavra mágica é: «continua». 
Meditação imaginosa… 
Portanto, a obra não se forma seguindo a ideia de um projecto inicial, mas antes, partindo sempre dele, evolui e modifica-se, conforme os pensamentos e as solicitações que nascem no decorrer do trabalho.
[…] 

A propósito do teu sentido cumulativo, gostaria de saber mais acerca das três línguas que frequentaste ao longo da tua vida: o Português, o Francês e o Italiano. 
O Português é a minha língua-mãe. Por sua vez, o Francês foi uma língua que comecei a aprender na escola, por volta dos meus 13 anos, no que era então chamado «2.º ciclo do liceu». Era também considerada a língua da cultura pelas famílias de extracção burguesa. Tive ocasião de a aperfeiçoar mais tarde, até no dia-a-dia, em Paris, durante os quase dois anos (1967-1968) da minha estada na capital francesa, depois de ter desertado do exército português e de ali ter encontrado abrigo e refúgio político.
Pelo que diz respeito ao Italiano, a língua em que respondo aqui às tuas perguntas, diria que é uma língua que eu adoptei e que me adoptou. Frequento-a quotidianamente há 52 anos e é preciso dizer que foi nela que me tornei pai de uma filha e avô de três netos. Posso, portanto, afirmar que o Italiano é agora, e sê-lo-á para sempre, a língua das distâncias aproximadas, uma minha autêntica segunda pátria, habitada culturalmente e vivida afectivamente. Gostaria apenas de acrescentar a esta clara certeza que a minha relação com a arte não é certamente alheia a tudo isto, visto ser mediada e estruturada por estes três ramos linfáticos.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Sol

Sol 
D.H. Lawrence 

Tradução e apresentação de Aníbal Fernandes 

ISBN 978-989-8833-53-2 | EAN 9789898833532 

Edição: Agosto de 2021 
Preço: 13,21 euros | PVP: 14 euros 
Formato: 14,5 × 20,5 cm (brochado, com badanas) 
Número de páginas: 160

Numa carta a Middleton Murry, Lawrence diz: Esta religião animista é a única que está viva; a nossa não passa de um cadáver. 



O contacto de Lawrence com um sol que lhe foi preconizado como «terapêutico» passou para a sua obra sob três formas distintas e todas alheias a este papel curativo. Lemo-lo em vários poemas publicados neste livro como celebração, sentido como força suprema, como poder cósmico que conduz o homem à sua superior vitalidade de corpo e de espírito, que o conduz à negação dos valores pervertidos de uma decadente humanidade; lemo-lo no texto «A Dança da Serpente nos Hopis», descrito com alguma ironia e distância, como valor máximo de uma religião animista que o venera a dançar, tomando-o como pretexto para um espectáculo duvidosamente isento de uma intencional atracção turística; é influenciado por ele sob esta mesma forma religiosa no romance The Plumed Serpent; mas também o encontraremos na sua história curta «A Mulher que Fugiu a Cavalo», aqui com a mulher branca entregue ao sol num sacrifício que se pretende redentor da servidão do índio à civilização do homem branco, mas oportunidade literária para a instalar num contexto dramático oposto ao das ficções de outros autores da sua época, largamente celebradas pelo público porque lhe ofereciam a exótica excitação romântica de um corpo masculino «selvagem», conquistador de uma mulher «civilizada» que hesitava entre o horror da violação e o amável consentimento dos seus carenciados sentidos. 
[…] 
No seu texto defende a dignidade do ritual sagrado dos Hopis, o contacto estabelecido entre o homem e o dragão cósmico. A tribo dos Hopis mantém com o sol uma relação dupla. Este astro que a ilumina e aquece, que é benfazejo e faz crescer o milho da sua alimentação, tem como contraponto outro sol escuro e irado no interior da terra, o que dá mostras da sua cólera expelindo lava através dos vulcões. Os Hopis elegem dois animais como mensageiros privilegiados destes dois sóis: a águia que vêem voar até mais alto do que qualquer outra ave e ficar próxima do sol celeste; a serpente que vêem enfiar-se na terra e aproximar-se do sol obscuro e irado que existe no interior do mundo. Entre os dois sóis é de temer e de aplacar o segundo, já que o sol celeste é tranquilo e sempre disposto a fazer crescer as plantas do seu alimento. 
[Aníbal Fernandes]

Cagliostro

Cagliostro 
Vicente Huidobro 

Tradução e apresentação de Aníbal Fernandes 

ISBN 978-989-8833-59-4 | EAN 9789898833594 

Edição: Agosto de 2021 
Preço: 12,26 euros | PVP: 13 euros 
Formato: 14,5 × 20,5 cm (brochado, com badanas) 
Número de páginas: 128

A leitura desta novela faz-nos compreender que houve uma adaptação do texto cinematográfico à literatura. A sua acção é «visual» mas literária; e é improvável que um guião pensado para o cinema mudo tivesse diálogos de página inteira, que exigiriam sucessivos intertítulos com extensas interrupções da imagem e que dariam um inevitável desequilíbrio do ritmo cinematográfico. 



O primeiro texto de Cagliostro (escrito em francês) submetia-se à forma guionista dos argumentos para cinema, e Huidobro chegou a contratar para o seu projecto um realizador romeno […] Houve, segundo se sabe, filmagens; e também se sabe que este Cagliostro chegou em 1923 à fase de montagem, mas que Huidobro muito pouco lhe encontrou do caligarismo formal, sonhado para a obra onde o seu nome aparecia como argumentista e produtor; e que o desentendimento entre Huidobro e Mizu foi insanável. O filme nunca foi estreado e desconhece-se hoje o destino, provavelmente de chamas, que Huidobro determinou ao seu frágil e combustível celulóide. 
Ao guião de Cagliostro coube, no entanto, um singular prolongamento que se estendeu até uma glória e um posterior mau acaso. […] O mau acaso veio a acontecer nesse mesmo ano porque O Cantor de Jazz, um filme da Warner Brothers, inaugurava o cinema sonoro e punha de repente na prateleira muitos projectos e actores só pensados para se mostrarem na tela sem voz, para se imporem na representação com essa expressividade corporal intensa, característica do cinema mudo. 
O imprestável guião, porque hostil à novidade sonora e visual do cinema, foi convertido numa novela escrita em castelhano e publicada em 1934 como «novela visual». A sua edição em inglês (Cagliostro, Mirror of a Mage) foi antecedida por esta explicação do autor: No que respeita à forma deste livro, só quero dizer que podemos chamar-lhe uma novela visual, feita com uma técnica influenciada pelo cinema. Creio que o actual público, já com hábito adquirido do cinema, conseguirá interessar-se por uma novela com palavras que o autor escolheu pelo seu carácter visual e cenas idealizadas para serem compreendidas pelos olhos. […] A construção das personagens deve ser agora mais sintética, mais compacta do que era. A acção não pode ser lenta. Os acontecimentos devem movimentar-se com maior rapidez. Se assim não for, o público aborrece-se. 
[Aníbal Fernandes]

Herbário Júlio Dinis — Filices

Herbário Júlio Dinis — Filices 
Júlio Dinis

Textos de Nuno Faria e José Tolentino Mendonça 

ISBN 978-989-9006-95-9 | EAN 9789899006959 

Edição: Agosto de 2021 
Preço: 33,02 euros | PVP: 35 euros 
Formato: 21,3 × 34 cm (encadernado) 
Número de páginas: 96 (a cores) 

Com o Museu da Cidade (Câmara Municipal do Porto)

José Tolentino Mendonça: «Esta Colecção dos Fetos, Equisetos e Lycopodios da Flora Madeirense é, naturalmente, um herbário, mas também é mais do que isso. 
Deve ser lido, para todos os efeitos, como um testamento.» 



Um abismo. O herbário é o memento mori de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, de Júlio Dinis. Espantar-nos-á sempre a emergência de objectos artísticos como este, na exacta medida em que sendo raros, escondidos, votados à escuridão, destinados a permanecerem ocultos, são-nos um dia revelados — fatalmente fora de tempo, já sem a mediação do seu autor — como uma aparição que consubstancia gestos secretos mas palpáveis. 
Fantasmagoria, objecto que releva quase da magia na forma como desafia as leis naturais e a passagem do tempo, feito pelas próprias mãos do escritor, do artista — sim, porque se trata de uma obra de artista e não de botânico —, as pranchas do Herbário de Júlio Dinis são o toque, o tacto que nos faltava na recepção da obra literária, aquilo que um livro não nos pode dar. Nesse sentido, e imaginando nós que se destinavam a desaparecer, constituem um milagre. 
[Nuno Faria] 

Lembro-me de que, por um período, Lourdes Castro repetia com frequência estes versos do poeta japonês Kobayashi Issa: «Nous marchons en ce monde / sur le toit de l’enfer / en regardant les fleurs». Olhar é uma especialidade de Lourdes Castro. E olhar as diferentes espécies botânicas tornou-se para ela uma espécie de escolha de vida, um pacto ético e espiritual de grande impacto, uma forma de caminhar, pensar e cartografar o mundo. Nas notas pessoais que acompanham o seu projecto intitulado Grand herbier d’ombres, além de descrever o modo como, num Verão do século XX, na Ilha da Madeira, decidiu fixarem papel heliográfico a variedade vegetal acessível à sua volta, explica-se assim: «sobretudo gosto de plantas, sempre vivi com elas, cuidei delas e vi-as crescer». Esta nota aparece datada de 1973. Numa outra que se lhe segue, datada de 2002, acrescenta ainda: «constantemente aprendo com elas». […] 
A resiliência para continuar, mesmo do telhado do inferno, a olhar as flores é uma extraordinária lição que Júlio Dinis deixa ao futuro. No epistolário madeirense desses que são os últimos anos da sua vida (o escritor viria a morrer, no Porto, em Setembro de 1871) refere-se com insistência à importância do reencontro com a natureza. 
[José Tolentino Mendonça]

Imaginário Júlio Dinis — 12 de Setembro de 2021 - 31 de Dezembro de 2022

Imaginário Júlio Dinis 
— 
12 de Setembro de 2021 - 31 de Dezembro de 2022 

Júlio Dinis 

Apresentação de Nuno Faria 

ISBN 978-989-9006-96-6 | EAN 9789899006966 

Edição: Agosto de 2021 
Preço: 19,81 euros | PVP: 21 euros 
Formato: 12 × 17 cm (bloco colado à cabeça) 
Número de páginas: 832 

Com o Museu da Cidade (Câmara Municipal do Porto)

Dentre os escritores portugueses esquecidos, Júlio Dinis é, possivelmente, o mais famoso. A publicação que temos em mãos, simples, delicada e leve, dá corpo a um apaixonado e refinado trabalho de investigação e de edição, e consubstanciou-se da forma mais eficaz até hoje inventada para se conhecer a obra de um autor: a leitura. Melhor dizendo, a leitura amorosa. 



À medida que vamos folheando as mais de 800 páginas deste Imaginário — que preferencialmente deverá ser percorrido dia-após-dia, respeitando a sua organização em forma de diário, mas que também podemos ler de um jacto ou guiados pelo acaso da abertura de página —, vamos (re)descobrindo fragmentos dos sucessivos romances de Júlio Dinis (cujos títulos nos soam sempre estranhamente familiares, como se nos pertencessem), permeados de poemas, trechos de cartas, reflexões do autor e, como se não bastasse, de imagens de pranchas do seu inesperado Herbário, de objectos que possuiu em vida e que velavam a sua escrita, mas também de citações, desenhos ou pinturas de outros autores aparentados em estilo ou em espírito. 
A organização em palimpsesto desta edição activa, de facto, todo um conjunto de ressonâncias ou de fulgurações que, fatalmente, estimulam a nossa curiosidade de leitor e nos revelam a generosidade e a complexidade de um autor sempre atento àquilo que o rodeava: ávido de viver e de sorver o mundo, desejoso de todas as formas de existência. 
Joaquim Guilherme Gomes Coelho, conhecido por gerações inteiras e sucessivas de leitores e de não-leitores como Júlio Dinis — e desconhecido de tantos enquanto Diana de Aveleda, o seu pseudónimo de género feminino —, desaparecido aos 32 anos incompletos, deixou-nos fiéis depositários de uma obra extensa que se declina em múltiplos formatos, que se estilhaça em muitos fragmentos — romance, poesia, cartas, crónicas, teatro, um herbário. 
Mas é nos intervalos desses escritos que reside verdadeiramente o segredo, a magia do seu pensamento e do seu compromisso com o mundo e com os outros, com as pessoas, com os animais e com as plantas; naquilo que liga mas que não se vê, que não se evidencia em positivo mas em negativo: o fôlego, o ânimo. Que possamos agora respirar por ele, reanimando a sua obra. 
[Nuno Faria]

terça-feira, 28 de setembro de 2021

O Mito Nazi


O Mito Nazi 
Philippe Lacoue-Labarthe, Jean-Luc Nancy 

Apresentação de Sara Belo e Tomás Maia 
Tradução de Sara Belo 

ISBN 978-989-9006-98-0 | EAN 9789899006980 

Edição: Agosto de 2021 
Preço: 11,32 euros | PVP: 12 euros 
Formato: 14,5 × 20,5 cm (brochado) 
Número de páginas: 72 

Colecção Linhas de Fuga 20

O Holocausto é uma consequência — estritamente lógica — da Razão ocidental. 
Tal é a tese central que este breve, imenso livro enuncia. 



A importância deste livro para a compreensão do nazismo (no interior do «fenómeno geral das ideologias totalitárias») consiste em pensá-lo a partir da questão da identidade. Ou seja, da relação entre o próprio e o impróprio — relação constitutiva de qualquer identificação, quer esta seja individual ou colectiva. No caso do nazismo, isto é, do totalitarismo especificamente alemão, aquela relação expressa-se no elemento da raça, levando os autores a propor uma primeira definição do nazismo enquanto «ideologia racista». 
Desfazendo a oposição entre mythos e logos, este livro concretiza a intuição de Hannah Arendt sobre o eidos de uma ideologia: a lógica de uma ideia que pretende explicar a totalidade da história conformando o mundo à sua imagem. Os autores rejeitam assim como perigosa e simplista a caracterização do nazismo enquanto fenómeno puramente irracional, demonstrando como aquele se impôs através de uma exploração consciente e deliberada dos movimentos reflexos e miméticos mobilizados pela função exemplar do mito. De forma consequente, neste contexto metafísico de análise, o mito é então tomado, não como um conteúdo particular (tal ou tal mitologia germânica), mas enquanto meio de identificação — de um indivíduo ou de um povo inteiro. Tal é a razão pela qual o livro pensa o mito (nazi), no singular, sem se deter nos mitos ou nas mitologias que alimentaram e fortificaram o movimento nazi. 
[Sara Belo e Tomás Maia] 

Que tenhamos assim, sempre, certas contas a prestar e a prestar-nos, que estejamos sempre em dívida ou em dever de memória, de consciência e de análise, eis o que reconhece uma maioria dos nossos contemporâneos. Contudo, as suas razões e os seus fins nem sempre são muito claros nem muito satisfatórios. Apela-se à vigilância face aos possíveis retornos — é esse o mote do «nunca mais!». E, de facto, a actividade ou a agitação das extremas-direitas nos últimos anos, o fenómeno de «revisionismo» acerca da Shoah, a facilidade com que os grupos neonazis surgem na ex-Alemanha de Leste, os «fundamentalismos», nacionalismos e purismos de toda a espécie, de Tóquio a Washington e de Teerão a Moscovo — tudo isto contribui para exigir essa vigilância. 
[Philippe Lacoue-Labarthe e Jean-Luc Nancy]

Grandeza de Marx — Por Uma Política do Impossível


Grandeza de Marx — Por Uma Política do Impossível 
Sousa Dias 

ISBN 978-989-9006-99-7 | EAN 9789899006997 

Edição: Agosto de 2021 
Preço: 14,15 euros | PVP: 15 euros 
Formato: 14,5 × 20,5 cm (brochado) 
Número de páginas: 176 
Colecção Linhas de Fuga 17

A Ideia de comunismo é, conforme a metáfora de Marx, um espectro, mas não no sentido de uma ilusão: antes um espectro vivo, duplo ou fantasma revolucionário da intolerável realidade existente, por ela segregado como o seu negativo sempre virtualmente presente. 



Talvez um dia se quebrem as barreiras globais do medo e o sentimento de impotência e o comum descubra a vulnerabilidade da realidade sistémica que nos domina e dos poderes que asseguram essa realidade e afastam os homens do seu próprio poder. Aguardamos esse dia com alegre pessimismo, mil vezes preferível ao optimismo triste dos esquerdistas que já só esperam um reformismo democrático ilimitado do sistema dominante. 

Porquê escrever afinal sobre Marx, porquê permanecer marxista, quando o marxismo, ensombrado por conotações históricas monstruosas, crepusculizou como filosofia e como ideologia? Porquê insistir na grandeza e, mais ainda, na actualidade de Marx? Desde a República de Platão que a filosofia como teoria política sempre foi inseparável de um projecto revolucionário: em cada época a proposta de uma possibilidade política incompossível com a realidade da época, de uma comunidade por vir impossível de acordo com o campo de possibilidades dessa realidade. Marx não criou o comunismo, que o antecedeu de séculos, mas foi quem fez essa Ideia descer do céu das utopias à vida histórica dos homens e transformar-se no grande projecto revolucionário do mundo moderno, mostrando que o capitalismo tinha trazido consigo as condições materiais (económicas e sociais) para essa transformação. E foi ele quem mostrou também porque é que esse «espectro que ronda» há-de sempre vir, voltar, regressar com esse nome ou outro, continuar a rondar o real e o possível que o conjuram. E com efeito, nestes tempos pré-apocalípticos como os designa Žižek, torna-se cada vez mais evidente que, «contra a ausência do homem no homem» como diz o poeta, o comunismo é a única hipótese do homem. 
[Sousa Dias]

Acidentes da Sombra e da Luz


Acidentes da Sombra e da Luz 
Ilda David’ 

ISBN 978-989-8833-61-7 | EAN 9789898833617 

Edição: Setembro de 2021 
Preço: 13,21 euros | PVP: 14 euros 
Formato: 14,5 × 20,5 cm (brochado) 
Número de páginas: 96 (a cores) 

Com a Ala da Frente (Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão)

A luz é símbolo e agente de pureza. Onde a luz não tem nada a fazer, 
nada a unir ou nada a separar, passa. 
Fragmentos, Novalis [tradução de Mário Cesariny] 



Este livro foi publicado por ocasião da exposição Acidentes da sombra e da luz, de Ilda David’, com curadoria de António Gonçalves, realizada na Galeria Ala da Frente, em Vila Nova de Famalicão, de 4 de Setembro de 2021 a 8 Janeiro de 2022. 

Existimos em relação com todos os pontos do universo, tal como com o futuro e com o passado. É só da direcção e da duração da nossa atenção observadora que depende a questão de sabermos que relação preferimos cultivar, que relação será para nós a mais importante e a mais activa. 
Fragmentos, Novalis 
[tradução de Mário Cesariny] 

Relativamente a nós, o meu corpo foge, e parece que, só, desço um rio, e faço um exame atento do seu leito. Este não foi, no entanto, o princípio fidedigno dos meus pensamentos, hoje. O que me ocorreu é que o meu corpo foge de mim e que, um ou outro, deslizam sem protecção, para o interior de uma obra; ninguém pode meter-se de permeio; deveria também ter dito que sou submetida à prova de uma cosmogonia, e que leio, com paixão, textos do mundo medieval. Em concomitância, convirjo para Spinoza. 
Um Falcão no Punho, Maria Gabriela Llansol